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Segunda-feira, 18 de Julho de 2016, 09h:23

Ferrovia bioceânica gera desconfiança em Mato Grosso

Gazeta

Bruno Santos/Folhapress

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Um projeto faraônico com 5 mil quilômetros de extensão. A ferrovia Bioceânica tem a intenção de ligar o Brasil ao oceano Pacífico, com uma finalidade bem definida: ser uma rota de escoamento da produção agrícola brasileira, principalmente a mato-grossense, para atender o crescente apetite da China por grãos. Na semana passada, o governo do “gigante asiático” divulgou um estudo preliminar que aponta a viabilidade da construção do empreendimento, e as previsões iniciais são de um custo estimado em R$ 40 bilhões.

 

A ousadia chinesa não está sendo vista com tanta confiança pelo setor agrícola mato-grossense. Apesar de a logística ser um dos principais gargalos do Estado e a China ser o maior mercado comprador das commodities brasileiras há, na realidade, uma descrença em grandes promessas, que acabaram virando praxe no país, sendo a mais recente a Copa do Mundo de 2014, quando se falou de um legado inestimável, que não passou de um ledo engano.

 

O diretor administrativo financeiro da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), Nelson Luiz Piccoli, avalia que falta viabilidade para implantar a ferrovia Bioceânica em menos de 50 anos. “Para transportar soja é completamente inviável. Teriam que encontrar soluções para tentar cobrar um frete barato, algo que não vejo ser possível tendo que abrir caminho pelos Andes. Outro problema é a insegurança jurídica que existe para os empreendedores estrangeiros. Enquanto o Brasil não mudar as leis trabalhistas, previdenciárias e tributárias acho difícil encontrar investidores estrangeiros que queiram aportar bilhões em investimentos por aqui”.

 

O economista Vitor Galesso, que é especialista em Comércio Exterior, afirma que só vai acreditar na Bioceânica quando ver os trens rodando sobre os trilhos. “Historicamente sempre tivemos promessas de ferrovias que seriam sinônimos de desenvolvimento para o país. Alguns empreendimentos deram certo, mas a Bioceânica esbarra, principalmente, na questão ambiental. O país tem muita dificuldade em fazer uma licitação ambiental para obras mais simples, imagina para uma ferrovia que vai percorrer 5 mil quilômetros?”, questiona.

 

As desconfianças se manifestam, porque o estudo preliminar contratado pelo governo chinês ainda nem consta como parte do trâmite do burocrático e demorado processo de implantação da Bioceânica. Para se ter uma dimensão da magnitude do projeto, a ferrovia começaria em Campinorte (GO), passaria por Mato Grosso, tendo um dos terminais em Lucas do Rio Verde, cruzaria a Cordilheira dos Andes em uma altitude de 2,050 mil metros, e chegaria a Bayovar, no Peru. Para isso, seriam necessários pelo menos 9 anos de construção, conforme apontou a empresa chinesa Creec, que foi contratada pelos chineses para elaborar um esboço inicial de como será o empreendimento.

 

A capacidade de transporte inicial está prevista em 23 milhões de toneladas de carga, sendo que Mato Grosso seria um dos principais responsáveis por abastecer os vagões. Vinte e cinco anos depois, o volume de commodities a ser transportado aumentaria em 43%, para 53 milhões de toneladas. Os dados apresentados pela Creec têm a intenção de comprovar a viabilidade econômica da ferrovia.

 

Para o diretor do Movimento Pró-logística, Edeon Vaz Ferreira, avalia que apenas alguns trechos da Bioceânica teriam viabilidade para atender a demanda dos produtores de grãos, fibras e proteína animal. “Acredito que dois trechos são possíveis neste projeto: o primeiro é o que liga Campinorte (GO) a Lucas do Rio Verde (MT), que inclusive é um projeto estudado pelo governo brasileiro. Outro trecho que seria importante para a nossa produção é entre Sapezal (MT) e Porto Velho (RO), também estudado pelo governo brasileiro”, explica Ferreira.

 

Outra situação que poderia inviabilizar o uso da ferrovia é o valor do frete, que ficaria acima das condições que permitem competitividade ao produtor. “O que poderia ser uma saída é o escoamento de grãos pela Bioceânica, e a entrada de fertilizantes pelo mesmo caminho”. Ferreira diz que a falta de dados concretos sobre a viabilidade da ferrovia ainda denota tão somente uma coisa, que “este será um canal de escoamento para os produtos de interesse dos chineses. Isso é, sem dúvidas, um interesse geopolítico. Mas, ao fazer uma análise sobre a competitividade econômica ainda nos deparamos com incógnitas”.

 

Projetos - Atualmente, existem 4 projetos de ferrovias cortando Mato Grosso. Além da Bioceânica, também há a Campinorte - Lucas do Rio Verde - Sapezal - Porto Velho. Mas, o projeto mais viável até o momento é a Ferrogrão, que projeta ligar Lucas do Rio Verde a Miritituba (PA). Este é o único projeto cujos estudos já foram feitos e aprovados pelo Ministério dos Transportes. Por ora estão sendo aguardadas as audiências públicas que serão realizadas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

 

Após este processo vem a licitação, sendo que as previsões mais otimistas apontam que até 1º semestre de 2017 esta parte do processo já esteja executada. Em relação à Bioceânica, o Ministério dos Transportes informou à Gazeta que está analisando os estudos preliminares realizados pela Creec, mas que não tem previsão de quando serão iniciados outros processos referentes ao trâmite burocrático que envolve o projeto da ferrovia.