Daniel Grandinetti - Psicólogo clínico
Todo momento tem um lado positivo e um negativo, mesmo os melhores e os piores. No caso dos melhores, não há dificuldade em compreender isso. O lado positivo é evidente. E basta um pouco de atenção para que o negativo se revele também. Ele está na desilusão que sempre acompanha uma conquista, por maior que seja. No caso dos piores, a dificuldade é maior. Afinal, que lado positivo pode haver num grande trauma? De fato, nenhum. Há o amadurecimento subsequente que precisamos buscar - caso não desejemos cair totalmente em ruínas. Mas esse aprendizado ocorre após o evento negativo. O trauma, no momento em que o vivemos, é apenas negativo. Contudo, tal momento não contém somente ele. Alguns anos depois, recordando-lhe, damo-nos conta de termos estado envolvidos numa atmosfera que tinha sim seu lado positivo. Quanto mais distante no passado estiver localizado esse momento, mais clara sua atmosfera nos parecerá, pelo contraste com a percepção da atmosfera atual. Havia, naquele momento, alguma coisa positiva no ar que respirávamos, algo que agora já se perdeu.
A atmosfera das piores recordações se compunha das boas expectativas que sobreviveram ao trauma; expectativas que davam um colorido especial à vida de então. No caso das melhores recordações, a atmosfera, ao contrário, se compunha das expectativas que nossas conquistas desfizeram, porquanto nada se realiza como esperado. As boas expectativas que sobrevivem ao trauma não resistem, contudo, à passagem do tempo. Elas se perdem pouco a pouco, naturalmente, no caminhar do amadurecimento. Também são ofuscadas pela dor do trauma. Enquanto a dor é revivida a cada dia, a lembrança do passado é deveras penosa. Com a sobrevinda do alívio, uma imagem mais clara daquele momento se disponibiliza, e com ela a brisa positiva de um passado terrível. Por sua vez, as expectativas desfeitas numa conquista, embora ofuscadas momentaneamente pelo entusiasmo, evidenciam-se com a passagem do tempo. Com a disponibilidade de uma imagem mais clara daquele momento, vem a brisa negativa de um passado maravilhoso.
Por isso pode haver nostalgia nas más recordações e melancolia nas boas, isso sem prejuízo da nostalgia naturalmente presente nas boas e da melancolia naturalmente presente nas más recordações. Nostalgia é o esforço presente de realizar no futuro imediato o que ficou por se realizar no passado, seja porque o passado tenha sido penoso ou porque, mesmo gratificante, não tenha se realizado exatamente como o esperado. Melancolia é o esforço presente de evitar, no futuro imediato, a recorrência de um passado que foi traumático, seja por ter sido penoso ou porque, mesmo gratificante, não ter sido imune às perdas. Por isso, toda nostalgia é um tanto melancólica e toda melancolia um tanto nostálgica.
Esforçamo-nos por reproduzir as realizações passadas rememorando-as e buscando as possibilidades de revivê-las. Esforçamo-nos por evitar os traumas passados rememorando-os e fugindo das possibilidades de reproduzi-los. A nostalgia nos domina porque jamais aceitamos que as conquistas do passado não tenham sido exatamente como esperávamos. Mantemos viva a expectativa de o futuro finalmente realizar o que foi bom mas não perfeito. A melancolia nos domina porque jamais aceitamos as perdas de um trauma. Mantemos viva a expectativa de o futuro finalmente trazer de volta o que já se perdeu. Nostalgia e melancolia resultam da mesma atitude relativa ao passado: a recusa. Na verdade, só carregamos um passado por sermos nostálgicos e melancólicos. De que é feito o passado senão de momentos maravilhosos que não foram perfeitos e do apego ao que já se perdeu? O que mantém vivo o passado senão o desejo de reviver plenamente o que poderia ter sido perfeito e o de reaver completamente o que poderia não estar perdido? O passado é feito de expectativas jamais realizadas e de perdas jamais aceitas.
Daniel Grandinetti - Psicólogo clínico
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