Por Prof. Thomas Prates Ong*
(Foto: Alex Silva/A2 Estúdio)
A alimentação pode ser individualizada a cada pessoa.
As doenças crônicas, em especial a obesidade, o diabetes, os problemas cardiovasculares e o câncer, representam enormes desafios para a nossa sociedade. As projeções são bastante preocupantes e indicam aumento drástico de novos casos e mortes associadas nas próximas décadas, principalmente nos países em desenvolvimento como o Brasil. Esse cenário gera questionamentos sobre as limitações do modelo vigente de atenção à saúde e exige uma mudança urgente de paradigma.
É em tal contexto que surgem novas propostas de atuar na prevenção e no controle dessas doenças. Em um artigo recente, de autoria de cientistas de vários centros de pesquisa pelo mundo, os estudiosos se debruçaram sobre os males cardiovasculares — principal causa de morte da atualidade — sob a perspectiva de um movimento chamado Medicina 4P (de preditiva, preventiva, personalizada e participativa).
Esses autores destacam que existe um continuum saúde/doença, que pode ser dividido em quatro etapas principais. Na primeira fase (A), o indivíduo encontra-se em um estado de saúde e apresenta a capacidade de lidar com fatores estressores, tanto fisiológicos como psicológicos.
Na transição para a fase B, o acúmulo de exposições a elementos prejudiciais como má alimentação e sedentarismo induz alterações sutis que indicam sinais precoces de doenças — caso do aumento da pressão arterial, da glicemia e dos níveis de gordura no sangue. Frequentemente, o indivíduo desconhece o que está acontecendo e nem percebe sintomas.
A transição para a etapa C, em que ocorre a manifestação de sinais mais graves como dor no peito e falta de ar, se desenrola de maneira lenta. E é só a partir daí que, em geral, se inicia o cuidado tradicional em saúde. Por isso dizemos que ele é reativo em sua essência. Apesar desses cuidados, sabemos que muitas pessoas caminharão para a última etapa daquele continuum: os desfechos das doenças cardiovasculares, caso de infarto e derrame.
O que se sabe é que tanto essas condições, como outras enfermidades crônicas não transmissíveis, tendem a se desenvolver num período de décadas. Portanto, do ponto de vista da medicina 4P, o foco deve ser mudado do tratamento (modelo reativo) para a prevenção (modelo proativo).
Acontece que o conceito de 4P pode também ser alinhado à nutrição. E a alimentação tem um importante papel na prevenção das doenças crônicas. Nos estágios iniciais do continuum saúde/doença, as alterações metabólicas, celulares, bioquímicas e genômicas são sutis e passíveis de serem normalizadas pela atuação de nutrientes e compostos bioativos dos alimentos. Claro que, via de regra, eles apresentam uma potência mais baixa e uma menor seletividade quando comparados a medicamentos.
Além disso, o aspecto de personalização — bastante incorporado na medicina — também vem sendo considerado na nutrição. Já há até um campo de estudo para isso, a nutrigenômica. Esse aspecto se baseia na constatação de que duas pessoas que ingerem a mesma refeição podem apresentar respostas metabólicas e genéticas bastante distintas. Fatores que podem influenciar essa variabilidade individual e o próprio risco para determinadas doenças incluem os genes de cada um e o microbioma intestinal (conjunto de micro-organismos que vive no aparelho digestivo).
As pesquisas atuais investigam como essas características interferem com o estilo de vida (alimentação, sono, atividade física…) e impactam nesse continuum saúde/doença.
Finalmente, temos o lado participativo do conceito 4P, e que é bastante relevante para a nutrição. Se por um lado temos cidadãos mais proativos e informados, por outro temos de lembrar que o acesso disseminado às notícias e orientações sobre saúde e alimentação na internet e nas redes sociais nem sempre leva a informações consistentes do ponto de vista científico. É essencial que os profissionais de saúde reconheçam essa tendência de mudança de atitude do paciente, que hoje até pode discutir as condutas prescritas no consultório, para criar uma interação mais participativa e efetiva.
Ao incorporar o modelo dos 4Ps na área da nutrição, estimularemos a mudança de paradigma na atenção em saúde e contribuiremos para que tenhamos uma maior ênfase na prevenção e no indivíduo.
* Thomas Prates Ong é farmacêutico-bioquímico, livre-docente em nutrição humana, professor do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) e secretário-geral da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN)
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