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Segunda-feira, 02 de Setembro de 2019, 09h:01

STF suspende busca e apreensão e inquérito contra deputada Rosa Neide

Euziany Teodoro
Única News

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acatou recurso da Câmara dos Deputados e suspendeu a ordem de busca e apreensão na casa da deputada federal Rosa Neide Sandes (PT), assim como suspendeu o inquérito policial que investiga a parlamentar.

Rosa Neide foi alvo da operação Fake Delivery, deflagrada no dia 19 de agosto, que apura suposto desvio de verbas na compra de materiais escolares para a educação indígena em Mato Grosso. A decisão do ministro, que concedeu liminar, é do dia 30 de agosto e foi publicada nesta segunda-feira (02).

A defesa argumentou que somente o STF poderia impor qualquer medida cautelar à deputada, devido ao foro privilegiado a que tem direito por estar em mandato eleitoral. “A reclamante sustenta que somente o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL poderia impor aos seus parlamentares medidas cautelares como a busca e apreensão domiciliar, mesmo em se tratando de investigação em curso perante o juízo de primeiro grau, devendo a decisão judicial ser remetida, em 24 horas, à respectiva Casa para deliberação, nos casos em que a medida restritiva dificulte ou impeça, direta ou indiretamente, o exercício regular do mandato”.

Segundo argumento do pedido de liminar, a juíza da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, Ana Cristina Mendes, teria usurpado a competência que cabe apenas ao STF. Diante da comprovação, o ministro Alexandre de Moraes determinou o envio imediato de todos os autos do processo à Corte Superior.

“Diante do exposto, presentes os elementos que evidenciem o fumus boni iuris e o periculum in mora, CONCEDO A MEDIDA LIMINAR pleiteada, (...) e DETERMINO A IMEDIATA SUSPENSÃO DA ORDEM DE BUSCA E APREENSÃO NO DOMICÍLIO DA DEPUTADA FEDERAL ROSA NEIDE SANDES DE ALMEIDA, ordem proferida, conforme noticiado pela reclamante, pelo Juízo de Direito da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, nos autos da Medida Cautelar n. 31444-78.2019.811.0042, e também DETERMINO A SUSPENSÃO IMEDIATA DO RESPECTIVO INQUÉRITO POLICIAL, EM QUE ELA FIGURARIA COMO INVESTIGADA, COM O ENVIO IMEDIATO DOS AUTOS E DE TODO O MATERIAL APREENDIDO A ESTA CORTE, resguardando-se o devido sigilo”.

Fake Delivery

A operação "Fake Delivery" apura a aquisição de materiais destinados a escolas indígenas. Um mandado de prisão foi expedido para Francisvaldo Pereira de Assunção, ex-secretário adjunto da Seduc, e também foi cumprido mandado de busca e apreensão na residência de Rosa Neide, que era secretária na ocasião da aquisição dos materiais, no final do ano de 2014. O ex-secretário adjunto foi preso com apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Posto Gil, em Diamantino. No entanto, conseguiu habeas corpus e responderá em liberdade.

O destino de mais de R$ 1,1 milhão em materiais “supostamente” entregues na sede da SEDUC, ao Secretário Adjunto de Administração Sistêmica, é apurado. As informações foram remetidas à DEFAZ em 2017, através do Gabinete de Transparência e Combate à Corrupção, indicando irregularidades na aquisição de materiais escolares pela Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso (SEDUC), tendo como destinatário final unidades escolares indígenas, no final do ano 2014.

Veja a decisão na íntegra

RECLAMAÇÃO 36.571 (1621)
ORIGEM: 36571 - SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
PROCED: MATO GROSSO
RELATOR: MIN. ALEXANDRE DE MORAES
RECLTE.(S): MESA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
PROC.(A/S) (ES): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
RECLDO.(A/S) : JUÍZA DE DIREITO DA 7ª VARA CRIMINAL DA
COMARCA DE CUIABÁ
ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
BENEF.(A/S) : NÃO INDICADO

Decisão:

Trata-se de Reclamação, com pedido de liminar, ajuizada pela Mesa da Câmara dos Deputados em face da decisão do juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, que decretou a busca e apreensão no domicílio da Deputada Federal ROSA NEIDE SANDES DE ALMEIDA (segunda consta, cumprida em 19/08/2019), no bojo de inquérito policial instaurado para investigar a suposta prática de crimes ocorridos à época em que a parlamentar era Secretária Estadual de Educação.

Alega-se, em linhas gerais, que o juízo reclamado teria usurpado a competência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em manifesta contrariedade ao que resolvido na ADI 5.526/DF, Rel. Min. EDSON FACHIN, Rel. para acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES, Pleno, j. 11/10/2017, DJe de 7/8/2018.

A reclamante sustenta que somente o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL poderia impor aos seus parlamentares medidas cautelares como a busca e apreensão domiciliar, mesmo em se tratando de investigação em curso perante o juízo de primeiro grau, devendo a decisão judicial ser remetida, em 24 horas, à respectiva Casa para deliberação, nos casos em que a medida restritiva dificulte ou impeça, direta ou indiretamente, o exercício regular do mandato.

Nesse aspecto, argumenta que a busca e apreensão domiciliar, apesar de não ser medida cautelar prevista no art. 319, do CPP, coloca em risco o livre exercício da atividade parlamentar, uma vez que possibilita o acesso a documentos e informações cujo sigilo é imprescindível para essa função.

Relembra haver hipóteses constitucionais em que deputados e senadores estão dispensados de prestar informações (art. 53, §6º, CF) e destaca que é comum o uso da própria residência para a realização de reuniões políticas, de modo que a busca e apreensão domiciliar tende a comprometer a livre atividade do parlamentar.

Pleiteia o deferimento de liminar, para "determinar a suspensão do ato proferido pela Senhora Juíza de Direito da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, que nos autos da Medida Cautelar n° 31444-78.2019.811.0042, deferiu medida cautelar de busca e apreensão em domicílio residencial da deputada federal ROSA NEIDE SANDES DE ALMEIDA no bojo de inquérito policial". No mérito, requer "que seja julgado procedente o pedido para anular o ato impugnado e fixar tese no sentido de que é o Supremo Tribunal Federal o órgão do Poder Judiciário competente para determinar medidas cautelares contra parlamentares que possam afetar ou restringir o exercício do mandato".

Por fim, a reclamante aduz a conveniência de julgamento conjunto desta Reclamação com os Embargos de Declaração na ADI 5.526/DF, opostos pela Mesa da Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, uma vez que neles se pede a integração do decisório, entre outras coisas, para que seja explicitado a que órgão compete o julgamento das medidas cautelares deferidas em desfavor de parlamentares.

Os autos não vieram instruídos de cópia da decisão reclamada, nem de peças referentes ao inquérito instaurado na origem, o que a reclamante justificou pelo fato de que o inquérito corre em sigilo.

É o relato do essencial.

A Constituição Federal em seu art. 2º consagra a independência e harmonia entre os Poderes de Estado, como importante Princípio Sensível (CF, art. 34, IV) e imutável Cláusula Pétrea (CF, art. 60, III) na organização federalista brasileira.

A separação das funções estatais visa a evitar o arbítrio e o desrespeito aos Direitos Fundamentais do Homem e garantir o bom funcionamento das Instituições, prevendo o texto constitucional a existência dos Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais para que bem possam exercê-las, bem como criando mecanismos de controles recíprocos, sempre como garantia da perpetuidade do Estado Democrático de Direito, pois como bem apontado por MONTESQUIEU, a independência entre os poderes é essencial para o necessário equilíbrio harmônico entre eles, sendo necessário "combinar os poderes, regrá-los, temperá-los, fazê-los agir; dar a um poder, por assim dizer, um lastro, para pô-lo em condições de resistir a um outro. É uma obra-prima de legislação, que raramente o acaso produz, e raramente se deixa a prudência produzir" (O espírito das Leis. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 25-26).

Dessa forma, ao afirmar que os Poderes da União são independentes e harmônicos, o texto constitucional consagrou, respectivamente, as teorias da separação dos poderes (independência) e dos freios e contrapesos (harmonia).

Os poderes de Estado, em especial no presente caso concreto os poderes Legislativo e Judiciário, devem atuar de maneira harmônica, privilegiando a cooperação e a lealdade institucional, evitando as práticas de guerrilhas institucionais, que acabam minando a coesão governamental e a confiança popular na condução dos negócios públicos pelos agentes políticos.

Essa é a razão da Constituição Federal consagrar um complexo mecanismo de controles recíprocos entre os três poderes, de forma que, ao mesmo tempo, um Poder controle os demais e por eles seja controlado, sem que ocorram abusos ou desvios ilegais.

A independência dos Poderes consagra a possibilidade do Judiciário determinar medidas coercitivas em relação aos membros do Legislativo, inclusive busca e apreensão em gabinetes e residências parlamentares, porém dentro de mecanismos de freios e contrapesos existentes no texto constitucional, em especial o absoluto respeito às prerrogativas parlamentares, à cláusula de reserva jurisdicional prevista pelo inciso XI, do artigo 5º, da Constituição Federal, em consonância com o Principio do Juiz Natural, previsto no art. 5º, XXXVII e LIII (MS 23.452, Rel. Min. CELSO DE MELLO; HC 69.601/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO), que, não somente veda os tribunais e juízos de exceção, mas também exige rigoroso respeito à divisão de competências dentro da própria organização do Judiciário, de maneira a se efetivar a imparcialidade, como também apontado pelo Tribunal Constitucional Federal alemão:

O mandamento 'ninguém será privado de seu juiz natural', bem como ocorre com a garantia da independência dos órgãos judiciários, deve impedir intervenções de órgãos incompetentes na administração da Justiça e protege a confiança dos postulantes e da sociedade na imparcialidade e objetividade dos tribunais (...). (...) Se originalmente a determinação 'ninguém será privado de seu juiz natural' era dirigida sobretudo para fora, principalmente contra qualquer tipo de 'justiça de exceção' (Kabinettsjustiz), hoje seu alcance de proteção estendeu-se também à garantia de que ninguém poderá ser privado do juiz legalmente previsto para sua causa por medidas tomadas dentro da organização judiciária.

(Decisão – Urteil – do Primeiro Senado de 20 de março de 1956 – 1 BvR 479/55 – Cinquenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Coletânea Original: Jürgem Schawabe.

Organização e introdução: Leonardo Martins. Konrad-Adenauer-Stiftung – Programa Estado de Derecho para Sudamérica, p. 900-901).

Assim, se o local da ordem de busca e apreensão decretada pelo Juízo de Direito de 1ª Instância foi o gabinete ou a residência de parlamentar federal (com vistas à apreensão de elementos de provas, em meio físico ou digital), admite-se que possa ter ocorrido desrespeito às prerrogativas parlamentares, à cláusula de reserva jurisdicional e ao princípio do juiz natural, que exigiam, desde logo, decisão do órgão jurisdicional constitucionalmente competente: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

O fumus boni iuris, portanto, estaria patente e consubstanciado na usurpação pelo juízo de 1º grau da competência deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL para processar e julgar, originariamente, os membros do Congresso Nacional, nas infrações penais comuns.

Não seria razoável ao juiz de 1º grau, que determinasse a colheita de provas na residência oficial ou no próprio local de trabalho de um parlamentar federal, ainda que sob a justificativa de investigar fato anterior ao mandato, violar a intimidade e a vida privada do congressista, no curso de investigação criminal conduzida por autoridade a qual falace tal competência, o que poderia subverter, por vias oblíquas, o desenho normativo idealizado pela Carta Política de 1988 para o processo e julgamento, pela prática de crimes comuns, dos detentores de mandatos eletivos federais.

Nesse cenário, descerra-se a real probabilidade de que os efeitos da decisão judicial reclamada – ainda que nela não se faça alusão explícita à atividade parlamentar – possam redundar na investigação, de maneira subreptícia, de pessoas que, em decorrência da função pública que desempenham na estrutura do nosso Estado Democrático de Direito, encontram-se sujeitas, com exclusividade, à jurisdição do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, nos termos do art. 53, §1º, c/c o art. 102, I, "b", ambos da CF/1988.

Ao intérprete é obrigatório analisar a interdependência e complementaridade das normas constitucionais sobre preceitos republicanos fundamentais, entre eles, a independência e harmonia entre os Poderes, as prerrogativas parlamentares, a cláusula de reserva jurisdicional e o Princípio do Juiz Natural, que não deverão, como ensina GARCIA DE ENTERRIA, ser interpretados isoladamente, sob pena de desrespeito à vontade do legislador constituinte (Reflexiones sobre la ley e los princípios generales del derecho.

Madri: Civitas, 1996, p. 30), sendo impositivo e primordial a análise semântica do texto, garantindo, na presente hipótese, à mesma autoridade judiciária – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL –, tanto a competência para processar e julgar parlamentares federais, quanto para a determinação de todas as medidas cautelares que os envolvam, direta ou indiretamente, na seara penal.

A questão não é estranha a esta CORTE. Em 23/10/2016, o saudoso Ministro TEORI ZAVASCKI proferiu decisão monocrática, posteriormente referendada pelo Plenário, nos autos da Rcl 25.537/DF, nesse mesmo sentido de garantir o respeito ao princípio do juiz natural constitucionalmente previsto, como na hipótese, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

Nada obstante a mudança de entendimento desta CORTE SUPREMA quanto à aplicação da regra do foro por prerrogativa de função para deputados federais e senadores (QO na AP 937/RJ), compete ao STF verificar se o crime supostamente praticado pelo congressista tem ou não relação com o mandato. Em paralelo a esse entendimento, vale citar: "A existência concreta de indícios de envolvimento de autoridade detentora de foro por prerrogativa de função nos diálogos interceptados impõe a remessa imediata ao Supremo Tribunal Federal, para que, tendo à sua disposição o inteiro teor das investigações promovidas, possa, no exercício de sua competência constitucional, decidir acerca do cabimento ou não do seu desmembramento, bem como sobre a legitimidade ou não dos atos até agora praticados." (STF, Rcl 23.457 MC-REF, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Pleno, j. 31/3/2016, DJE de
27/9/2017).

O risco de dano à prerrogativa funcional da parlamentar – de se submeter à persecução penal e às medidas acautelatórias que lhe são inerentes apenas por determinação desta SUPREMA CORTE – é também evidente, uma vez que tanto a sua intimidade quanto o próprio exercício de suas atividades funcionais se encontram expostos, por força da decisão judicial reclamada, ao escrutínio arbitrário – porque praticado à margem da ordem jurídica – de autoridades estatais incompetentes.

Presente, portanto, o periculum in mora.

Em que pese a ausência de documentação, considerando a alegação da parte reclamante (de que o inquérito corre sob sigilo), a concessão da liminar deve ficar adstrita à garantia da tese acima apresentada, eis que imprescindível, de qualquer modo, resguardar a livre atividade parlamentar da congressista, ressalvada a competência desta CORTE SUPREMA.

Diante do exposto, presentes os elementos que evidenciem o fumus boni iuris e o periculum in mora, CONCEDO A MEDIDA LIMINAR pleiteada, nos termos dos arts. 158, do RISTF e 989, II, do CPC/2015, e DETERMINO A IMEDIATA SUSPENSÃO DA ORDEM DE BUSCA E APREENSÃO NO DOMICÍLIO DA DEPUTADA FEDERAL ROSA NEIDE SANDES DE ALMEIDA, ordem proferida, conforme noticiado pela reclamante, pelo Juízo de Direito da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, nos autos da Medida Cautelar n. 31444-78.2019.811.0042, e também DETERMINO A SUSPENSÃO IMEDIATA DO RESPECTIVO INQUÉRITO POLICIAL, EM QUE ELA FIGURARIA COMO INVESTIGADA, COM O ENVIO IMEDIATO DOS AUTOS E DE TODO O MATERIAL APREENDIDO A ESTA CORTE, resguardando-se o devido sigilo.

Comunique-se, com urgência, à autoridade judiciária reclamada, a fim de que, cumprida a providência acima deferida, preste informações no prazo de 10 (dez) dias. Decorrido o prazo, com ou sem informações, encaminhemse os autos à Procuradoria-Geral da República, nos termos do art. 991, do CPC c/c o art. 160, do RISTF.

Oficie-se ao Secretário de Segurança Pública do Estado do Mato Grosso, requisitando informações sobre a referida busca e apreensão, no prazo de 48 (quarenta e oito horas), juntando cópia da decisão judicial que a determinou e descrevendo, especificamente: a) os endereços em que houve a busca; b) o relatório da diligência; e, c) o material que fora efetivamente apreendido; resguardado o sigilo dos documentos encaminhados.

Publique-se. Int..

Brasília, 30 de agosto de 2019