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Sábado, 25 de Janeiro de 2020, 18h:03

Comunidade trans coleciona histórias de superação, mas ainda enfrenta preconceito e altas taxas de homicídio

Vithória Sampaio
Única News

(Foto:Reprodução/Instagram)

Em 2004, 27 travestis foram ao Congresso Nacional, em Brasília, para um protesto em prol da campanha “Travesti e Respeito” e fizeram história. Desde então, o mês de janeiro foi escolhido para dar evidência e buscar políticas públicas voltadas a homens e mulheres trans. O mês da “Visibilidade Trans”, cujo “Dia D” é 29 de janeiro, busca de abrir portas e quebrar o preconceito que ainda existe na sociedade.

O termo trans é uma abreviação de “transgêneros” e refere às pessoas que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído quando nasceram.

De acordo com dados da ONG Europeia Transgender Europe, o Brasil lidera o ranking de países que registram mais casos de morte de pessoas trans. Uma pesquisa realizada em 72 países revelou que, só aqui, 167 transexuais foram mortos em 2017, o México ficou em segundo lugar, com 71 vítimas, seguido pelos Estados Unidos, com 28, e Colômbia, 21.

Apesar do preconceito vivido ao assumir uma identidade de gênero diferente, na luta pela igualdade, a comunidade trans vem alcançando espaço e conquistas. Em abril de 2016, por exemplo, decreto presidencial autorizou o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal. Em março de 2018, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que transexuais e transgêneros pudessem alterar o nome no registro civil sem a realização de cirurgia de mudança de sexo.

Uma história de descobertas e superação

Valentim Félix, vice-presidente da Organização de Trans Identidades Masculinas de Mato Grosso (OTIMA - MT), que é um homem trans, contou ao Única News que começou a se sentir diferente quando entrou na puberdade.

A minha família era católica, então eu comecei a perceber que isso poderia não ser legal e não contava pra ninguém.

“As pessoas começaram a perguntar ‘cadê os namoradinhos?’ e eu percebi que eu gostava de mulher. A minha família era católica, então eu comecei a perceber que isso poderia não ser legal e não contava pra ninguém. Quando eu fiz 16 anos e não aguentava mais a pressão para ter um namorado, entrei para um convento e fiquei entrando e saindo até os 21 anos. Eu pensava: “se Deus vai me mandar pro inferno por gostar de mulher, eu vou trabalhar pra ele a vida toda”, lembra.

Em 2013, Valentin entrou na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), no curso de Rádio e TV, onde conheceu a primeira namorada. Foi quando se assumiu para a família como lésbica.

“Mas eu não entendia a questão de entidade de gênero e não consegui viver como lésbica por muito tempo, até assistir um documentário com João W. Nery, o primeiro homem trans operado do Brasil e vi que tudo que ele falava se encaixava em minha vida”.

Valentin confessa que teve preconceito com a transexualidade. “Eu tive um certo preconceito em relação à transexualidade e repetia para mim mesmo que eu não poderia ser isso, pois no meu ponto de vista isso estaria ligado à prostituição e drogas. Até que um momento eu me entendi”.

(Foto:Reprodução/Instagram)

Valentin

 

Foi quando decidiu que faria a transição. “Durante a minha transição, eu fazia estágio e, lá dentro, eu tive uma aceitação muito grande por todos, sempre fui tratado com muito respeito. Para minha família, eu resolvi me abrir em 2015. Reuni meus pais e meu irmão caçula e comecei a ler uma carta para eles, explicando todas as minhas angústias. No início foi difícil eles entenderem, mas hoje em dia são eles quem lutam por mim”.

Também em 2015, Valentim foi pela primeira em um encontro de homens trans, na Universidade Pública de São Paulo (USP). Na ocasião, foi escolhido como coordenador estadual de Mato Grosso do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (Ibrat). “A partir desse título, ganhamos força para sair à sociedade de uma forma organizada. Em 2016 realizei a cirurgia de mamoplastia masculinizadora (retirada das mamas) e, em 2018, a retificação para a mudança de nome”.

Atualmente, Valentin é vice-presidente OTIMA - MT, que surgiu em 2017. Hoje, 66 meninos fazem parte. A organização social trabalha na promoção de políticas públicas para a população trans e travesti no Estado de Mato Grosso.

"Tenho muito orgulho da nossa organização, temos conseguido muitas coisas, somos muito unidos. Aqui ninguém solta a mão de ninguém”, finalizou Valentin.

Crimes de homofobia em MT

O espaço conquistado pela comunidade trans é fruto da força e mobilização criadas por cada um deles em luta diária. Apesar disso, Mato Grosso ainda é líder no ranking de mortes de pessoas trans em todo o Brasil.

Mato Grosso ainda é líder no ranking de mortes de pessoas trans em todo o Brasil

No período de janeiro a dezembro de 2019, foram registradas em Mato Grosso 139 ocorrências com motivação homofóbica. Os dados são do Grupo Estadual de Combate aos Crimes de Homofobia (GECCH) da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-MT) e representam um aumento de 26% em relação ao mesmo período de 2018, quando houve 110 casos.

Ainda em 2019, o total de registros de homicídios e outros crimes com mortes envolvendo Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis e Transexuais (LGBTs) foi de 17 em todo o estado, entre assassinatos, afogamentos, suicídios e mortes naturais. No ano de 2018, o total foi de 21 casos.

O preconceito mata!