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Domingo, 17 de Janeiro de 2021, 12h:10

Assédios sexuais se tornam 'bola de neve' e precisam ser freados, diz defensora Rosana Leite

Aline Almeida
Única News

O site Única News dá início a uma série de entrevistas semanais. Abrimos falando de um assunto que também se tornou uma pandemia: a violência contra mulher.

Para falar sobre o assunto, convidamos Rosana Leite Antunes de Barros, defensora pública, coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher (NUDEM). Rosana também é relatora da Câmara Setorial Temática da Mulher da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, membro do conselho estadual dos direitos da mulher de MT e mestranda em sociologia pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Única News - Faça um balanço da atuação na Coordenadoria de Defesa da Mulher da Defensoria Pública. Quando é como procurar a instituição. E ainda se houve redução da procura por conta da pandemia?

Rosana Leite – O Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública foi instaurado nacionalmente. Todas as defensorias do país possuem um núcleo de defesa da mulher denominado NUDEM. Esse núcleo atua não só na violência doméstica e familiar, mas em toda e qualquer violência, preconceito e discriminação que as mulheres venham a sofrer. A mulher vítima de qualquer violência pode nos procurar, antes mesmo de lavrar um boletim de ocorrência. Ela pode buscar orientação do NUDEM. Toda e qualquer mulher que nos procurar devemos orientar. Toda e qualquer mulher é vulnerável dentro de relacionamento. Somos vulneráveis pela condição de patriarcalismo que fomos criadas e criados. E também pela condição biológica. Não há como comparar a força de um homem com a força física de uma mulher, salvo algumas exceções.

Única News - Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública mostram um aumento aproximado de 40% nos feminicídios em Mato Grosso no ano de 2020, comparando com 2019. Qual alerta esse número traz?

Rosana Leite – Infelizmente durante o período pandêmico tivemos um aumento dos feminicídios no país. Principalmente pelo inconformismo pelo término do relacionamento. Não há um motivo para que as mulheres sejam assassinadas. Mas o inconformismo pelo término do relacionamento, segundo os homens, tem feito as mulheres vítimas. Não podemos falar também que o ciúme, uso de bebida alcóolica, uso de substância entorpecente e o isolamento social criaram agressores. Os agressores já existem. Logo, as mulheres precisam diagnosticar o que é um relacionamento abusivo, se elas estão dentro de um relacionamento abusivo, para evitar que sejam vítimas. O mais preocupante durante a pandemia são as subnotificações. Não tivemos um aumento nas estatísticas de violência contra a mulher. Mas tivemos um aumento dos feminicídios. Então mostra que muitas mulheres que estavam dentro do ciclo de violência doméstica ficaram em isolamento social com os agressores. Outras se descobriram durante o isolamento social que estavam no ciclo de violência doméstica.

Única NewsFeminicídios podem ser evitados?

Rosana Leite – Os feminicídios precedem de outros delitos menores, principalmente dentro do ambiente doméstico familiar. As mulheres vem sendo assassinadas, os feminicídios vem acontecendo dentro de casa por conta do inconformismo com término do relacionamento. Com a independência feminina as mulheres não aceitam viver em violência doméstica. Quando elas não aceitam, a maioria das cisões dos relacionamentos acontecem por parte das mulheres. Elas almejam a separação por conta de não aguentar viver em violência. Não é a independência feminina que vem trazendo feminicídio. Mas os homens não estão aceitando a independência, a capacitação e a forma que as mulheres estão alcançando seus espaços e direitos,

Única News - No final do ano passado deparamos com um caso que repercutiu no Brasil e no mundo. A juíza Viviane do Amaral, morta pelo ex-companheiro no Estado do Rio de Janeiro. Acredita que de alguma forma o temor das mulheres aumentou, já que nem mesmo uma juíza escapou das estatísticas de violência. O que o caso deixa de marca?

"O caso da juíza Viviane no Rio de Janeiro mostrou mais uma vez que não há raça, etnia, credo, condição social ou cultural para que mulheres sejam vítimas de qualquer violência, principalmente a doméstica familiar”, destaca Rosana Leite.

Rosana Leite – O caso que aconteceu com a juíza Viviane no Rio de Janeiro mostrou mais uma vez que não há raça, etnia, credo, condição social ou cultural para que mulheres sejam vítimas de qualquer violência, principalmente a doméstica familiar. A qualquer momento uma mulher, pela condição de gênero, pode ser vítima de qualquer violência. Não foi diferente com a juíza Viviane. Em 2019, quando a Lei Maria da Penha fez 13 anos, o Data Senado fez uma pesquisa e perguntou as mulheres que eram vítimas de violência doméstica e que não lavraram boletim de ocorrência o porquê delas não procurarem o poder público. 78% das mulheres informaram que não lavraram boletim de ocorrência porque temiam que a agressão ficaria ainda maior. Isso mostra que há uma desconfiança com a Lei Maria da Penha. Há uma desconfiança quanto a efetividade. Mas a lei surgiu exatamente para atender a qualquer violência. O homem que conviveu com a mulher, conhece a rotina dela, sabe onde encontrar e todas as situações e adversidades sofridas por essa mulher. Ela acaba sendo uma presa fácil para este homem. Precisamos saber o que se passa na casa dessas mulheres para poder ajudar. Quando se lavra um boletim e pede medida protetiva de afastamento do agressor, essa medida se constitui em um papel. O papel há de proteger a mulher, mas desde que ela fale se esta acontecendo o cumprimento. Quando um homem diz que vai agredir ou assassina uma mulher, ela precisa acreditar. Aquilo que ele falou para ela pode ser real e se transformar em um feminicídio.

Única News - Por outro lado tivemos também recentemente dois casos regionais que também chamaram atenção. Uma da designer de sobrancelha Núbia Jaques que foi as redes sociais clamar por socorro temendo ser mais uma vítima. Também da modelo Kedma Oliveira denunciando agressão do filho do companheiro. O quanto as redes sociais e essa corrente pelo basta à violência tem incrementado as lutas?

Rosana Leite – As mídias sociais, assim como o jornalismo tem contribuído muito no enfrentamento da violência contra a mulher. Hoje temos maio possibilidade de narrar o que está acontecendo, até para servir de paradigma para outras mulheres. Estamos percebendo que as mulheres estão usando desses instrumentos. Enxergo as mídias sociais e o jornalismo como instrumentos de defesa dessas mulheres, tal como esses dois exemplos narrados que receberam ajuda e amparo pelo socorro pedido nas redes sociais.

Única News - Destaque ainda para um caso em que uma servidora de órgão governamental do Estado denunciou assédio sofrido por parte do chefe. Essa é uma realidade comum? Mulheres vem sendo assediadas e sobrecarregadas com funções que nem exercem para provar até mesmo competência?

Rosana Leite – Os assédios sexuais acontecem diuturnamente e as maiores vítimas são as mulheres. O assediado tenta mostrar a superioridade que ele, na sua cabeça possui, em relação a mulher, em relação aquele corpo feminino. Seria mais uma vez a objetificação do corpo feminino. Mas o agressor de violência contra mulheres não para enquanto não encontra um freio, principalmente agressor de delitos sexuais. Como vimos m várias situações as agressões sexuais constituem em bola de neve, várias mulheres narram agressões contra um mesmo assediador. Precisamos frear este tipo de situação com políticas públicas dentro de instituições, poderes e empresas privadas para que de fato as mulheres tenham direito de transitar livremente.

“Enquanto nós mulheres tivermos que mudar de calçada, que escolher nossas roupas a dedo para não ser assediada, não teremos o mesmo direito que os homens conquistaram há muito tempo”, ressalta a defensora Rosana Leite.

Única News - Mesmo com tantos avanços ainda é difícil ser mulher? O que precisa ser mudado?

Rosana Leite – As mulheres ainda tem que provar sua competência diuturnamente. Isso tem refletido em outras situações. Hoje elas ocupam muito mais bancos de faculdade, muito mais aprovadas em concursos públicos, capacitando mais. É um desafio neste mundo patriarcal a condição de ser mulher. Vivemos em um mundo que a democracia não é a mesma, onde uma mulher é igual a um homem. Enquanto nós mulheres tivermos que mudar de calçada, que escolher nossas roupas a dedo para não ser assediada, não teremos o mesmo direito que os homens conquistaram há muito tempo. Olhares, desrespeito, incompreensão quanto a nossa capacidade são os maiores desafios. Apesar de termos ocupado todos os “guetos” dantes ocupados apenas por homens, ainda precisamos firmar a todo instante que somos competentes.