Única News
Da Redação
A Defensoria Pública de Mato Grosso ingressou com uma ação civil pública contra a TV Nativa/Record de Alta Floresta (a 800 km de Cuiabá) e contra o apresentador Welerson de Oliveira Dias, solicitando indenização de R$ 100 mil por dano moral coletivo contra a comunidade LGBTQI+.
No dia 17 de junho, de acordo com a ação, o apresentador Welerson Dias, durante apresentação do programa Olho Vivo, imitou o defensor público que atua na comarca, Vinicius Ferrarin Hernandez, fazendo piadas homofóbicas sobre sua orientação sexual.
Na ação, a Defensoria cita a Lei n.º 7.716/89 e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), ao evocar o dever do Estado de inibir condutas discriminatórias “que, a pretexto de entreter o público, causam humilhação e atentam contra a dignidade das minorias”.
Os autores da ação também refutam a tese de que a liberdade de expressão possa ser invocada para eximir atos discriminatórios. “Em que pese o direito de liberdade de expressão ser constitucionalmente garantido, tal direito não é absoluto e deve ser exercido em observância à proteção à dignidade da pessoa humana. Não se pode deliberadamente agredir e humilhar, ignorando-se os princípios da igualdade e isonomia, com base na invocação à liberdade de expressão”, diz trecho da ação.
Segundo o defensor público-geral, a liberdade de expressão é assegurada a todos, mas vem junto com a responsabilidade que devemos ter por tudo aquilo que falamos. “A humilhação pública divulgada em emissoras de rádio e televisão, atentando contra a dignidade de todas as pessoas que se identificam como LGBTI, causou dano coletivo à honra desse grupo já tão vulnerabilizado e, por isso, iremos buscar, em nome de todos eles, a devida reparação”, garantiu Queiroz.
“A Defensoria Pública, enquanto instrumento constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana, não pode admitir que ofensas grotescas e vexatórias como as que foram propaladas contra uma parte da população que, segundo estimativas imprecisas, engloba entre 10 e 20 milhões de pessoas, possam ser praticadas impunemente”, repudiou.
A ação narra que fica evidente que Dias estava imitando o defensor público, em tom jocoso, desrespeitoso e homofóbico, ao analisar trecho da entrevista dolosamente não veiculado pela emissora de televisão, mas que consta no vídeo enviado pelo defensor.
“Da ‘atuação’ do apresentador, percebe-se, inclusive, que tal imitação é ‘brincadeira’ comum entre os membros da televisão, que excedem todo o tipo de responsabilidade jornalística para pessoalizar a discussão e ganhar visualizações, tratando com desrespeito e desprezo toda a comunidade LGBTI”, diz trecho da ACP.
Não satisfeito, no dia seguinte, em seu programa de rádio, Dias imitou novamente o defensor público, em mais uma demonstração de desapreço pela dignidade da comunidade LGBTQI+.
“(Radialista faz voz feminina em tom jocoso) Ai, ai que tem que liberar porque é o princípio da dignidade humana (...)”, para depois, em tom de ameaça e mudando completamente o timbre de voz, disparar: “Dignidade da pessoa humana para os seres humanos decentes, coerentes, trabalhadores, o comerciante que tá labutando aí, indo à falência por causa da decisão de vocês (referindo-se ao trabalho dos defensores públicos), ainda vem me falar de lockdown, rapaz, esse povo fumou merda, não é possível (...)."
De acordo com os autores da ação, a imitação homofóbica é fruto da ignorância e fomenta discursos de ódio em relação aos gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros.
“A violação explícita a direitos fundamentais dos gays é promovida pelo mais torpe dos fins: a audiência. Os direitos das minorias são utilizados como plataforma para que consiga projeção nos meios de comunicação e redes sociais”, sustentam os defensores.
O documento cita ainda o Relatório Kinsey, segundo o qual os homossexuais representam 16% da população mundial, sendo 10% de gays e 6% de lésbicas. “Ou seja, no Brasil, a comunidade LGBTI representa 35 milhões de habitantes. São 35 milhões de seres humanos que clamam por respeito, reconhecimento e dignidade”, diz outro trecho da ação, que arremata: “Basta!”
(Foto: Divulgação)
Defensor Público Vinicius Hernandez
De acordo com o defensor que sofreu as ofensas, os ataques por parte da emissora têm ocorrido desde maio deste ano, quando a Defensoria passou a ingressar com ações em favor dos presos da Cadeia Pública durante a pandemia.
“A entrevista foi para explicar o motivo de ter entrado com a ação para liberar os detentos do grupo de risco, que não significava o aumento da criminalidade, mas editaram exatamente a parte em que eu disse que não haveriam essas consequências”, explicou.
Vinicius disse ainda que se sentiu impotente ao se deparar com a situação, ainda mais vindo de um comunicador. “A sensação é de impotência. De se sentir de fora, um marginal. Foi muito doloroso nesse ponto, pois como vamos viver nessa sociedade onde um formador de opinião age dessa maneira".
O defensor informou que recebeu todo apoio dos colegas e do órgão, segundo ele todos ajudaram a levar o processo em frente para combater o preconceito.
"Tudo isso me deu forças para abraçar uma causa que já era minha como ser humano, mas, principalmente, para abraçar a causa como defensor público", finalizou Vinicius.
Punição
A ação civil pública solicita aplicação de multa de R$ 10 mil a cada declaração ou imitação homofóbica, discriminatória ou intolerante contra minorias afetivas, além de indenização de R$ 100 mil a título de dano moral coletivo, devendo o valor ser destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, regulamentado pela Lei no 9.008/95, com incidência de juros de mora desde a data do evento danoso (17 de junho).
A ACP também demanda a penalização dos requeridos a fazer a leitura de eventual condenação judicial no mesmo programa ou em similar, por duas ou mais vezes, pelo mesmo apresentador.
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