Revista Galileu
Única News
Os últimos anos têm sido barra-pesada para mim. Isolamento social causado pela pandemia de Covid-19, mortes na família e solavancos feios na minha vida profissional, pessoal e financeira, somados à sensação de apocalipse global trazida pelo noticiário, me abalaram a ponto de ter, não muito tempo atrás, a pior crise depressiva que já enfrentei.
Nenhuma das pessoas que eu considerava minhas amigas me ligou para saber se eu estava bem ou precisava de alguma coisa, embora elas soubessem da minha situação. Trocar mensagens de texto foi insuficiente para me sentir apoiado no pior momento da minha vida. Eu queria desaparecer. Nunca me senti tão sozinho quanto nesse período.
A ironia é que eu não estava sozinho. Metade dos brasileiros também se sentiram solitários na pandemia, segundo o levantamento Perceptions of the Impact of Covid-19, da Ipsos, empresa especialista em pesquisas de mercado. Ainda de acordo com o relatório, 52% dos mil entrevistados perceberam que o sentimento havia se intensificado nos seis meses anteriores.
Esses dados colocam o Brasil em primeiro lugar num ranking de 28 países analisados pela Ipsos na pesquisa. Na sequência vêm Turquia (com 46% se sentindo sozinhos) e Índia (com 43% da população alegando ser solitária). A média global foi de 33%.
Pode parecer natural se sentir só em um momento tão esquisito quanto esse, no qual passamos a sair bem menos de casa e nossas interações sociais se restringiram em grande parte ao online. No entanto, mesmo antes da Covid-19, a chamada “epidemia da solidão” já vinha gerando preocupações em escala global. Em 2018, a então primeira-ministra do Reino Unido, a conservadora Theresa May, referiu-se à crise como “uma triste realidade da vida moderna” — e decidiu tomar medidas práticas, inaugurando o “ministério da solidão”.
A premiê incumbiu a Tracey Crouch, então ministra do esporte e da sociedade civil, a liderança da Comissão Jo Cox sobre a Solidão, ligada à Jo Cox Foundation. A “pasta” durou apenas um ano, mas gerou efeitos positivos. Por meio de um estudo, ela identificou que 9 milhões de habitantes do Reino Unido declaravam se sentir sozinhos sempre ou frequentemente. Cerca de 200 mil idosos disseram não ter conversado com um amigo ou familiar em mais de um mês, e 85% das pessoas com deficiência entre 18 e 34 anos alegaram se sentir solitárias.
O relatório atestou que empresas privadas, líderes comunitários, grupos de voluntários e cidadãos em geral tinham de apoiar o Estado no combate à solidão. A quantia de 1,8 milhão de libras esterlinas (aproximadamente R$ 11,4 milhões) foi distribuída em iniciativas em prol desses indivíduos.
Em outros países, a situação não é tão diferente. Nos Estados Unidos, uma pesquisa da Escola de Saúde Pública Mailman, da Universidade Columbia, constatou que, em 2019, 61% do público acima de 18 anos se declararam solitários — uma alta de 50 pontos percentuais em comparação à década de 1970.
Já o levantamento International Survey of Youth Attitude, de 2018, mostra que, entre os japoneses de 13 a 29 anos, 19,9% reconhecem “não ter ninguém para conversar” sobre problemas e preocupações. Na investigação, feita pelo governo japonês e pela Fundação de Comunicações Nippon, o país ficou à frente da Coreia do Sul (12,2%), da França (10,8%), da Alemanha (8,8%) e da Suécia (6,9%).
É comum ver o conceito de solidão definido de acordo com o que propuseram os pesquisadores estadunidenses Letitia Anne Peplau e Daniel Perlman no artigo Toward a Social Psychology of Loneliness (“Para uma Psicologia Social da Solidão”, em livre tradução), de 1981. A dupla determinou o termo como uma sensação subjetiva e desconfortável que resulta das deficiências que percebemos em nossas relações.
Segundo o psiquiatra Thyago Antonelli Salgado, que estudou o tema em seu mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), existem dois tipos de solidão: a temporária e a crônica. Se você se muda para uma cidade na qual não tem amigos ou família, provavelmente se sentirá sozinho. “Nesse contexto, ela não é ruim, e sim adaptativa e necessária”, avalia Salgado. “Se você não se sentisse só, talvez não desenvolvesse boas relações que propiciem uma vida mais colorida.”
“A solidão está associada a uma frustração de pertencimento e se sentir útil, que são necessidades para estarmos bem”
— Thyago Antonelli Salgado, psiquiatra e mestre pela UFRGS
Já o segundo tipo é mais preocupante. Assim como doenças e transtornos mentais, ele é multifatorial, o que pode incluir até genética, além das dificuldades de conexão típicas de quadros de depressão e ansiedade, por exemplo. Nesses casos é possível que haja até mesmo mudanças cognitivas, como o desenvolvimento de hipervigilância a ameaças sociais.
“É como se essas pessoas imaginassem que, ao se relacionarem com alguém, algo vai dar errado, mesmo quando essa ameaça não existe de fato”, ilustra o médico. “Se algo negativo acontece, ocorre também a confirmação de um viés. É um ciclo que tem repercussões biológicas, pois nosso organismo não suporta o estresse contínuo. O processo ativa mecanismos neurobiológicos que nos deixam mais propensos a ter um aumento da morbidade e até da mortalidade.”
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