Eduardo Mahon
(Foto: Internet)

No início, estranhei dormir com alguém ao lado. Não sabia se ia conseguir me acostumar.
É como um travesseiro novo. Custa habituar. O travesseiro sabe de tudo: as ansiedades, as impaciências, os sonhos. É quase um segundo casamento. Só falta a aliança e o papel passado.A presença da mulher reconfigura a geografia da cama. Pela manhã, ficam os decalques dos corpos. Não só do corpo, mas da alma.
Se alguém se metesse a fazer uma pesquisa, certamente haveria de bolar uma cartografia da cama: quem fica com o cobertor, quem dorme no centro, quem quer encaixar, quem se exila as bordas. Nesse território, há mais do que o terreno. Pode-se medir a temperatura. Contrastando com o ambiente glacial do quarto invernado no potente condicionador de ar, há o calor irradiando do corpo da mulher. Eu fico prospectando. Durmo em diagonal: 45o exatamente, ângulo suficiente para, pelo menos, cruzar as pernas com ela. Depois, quando se torna insuportável a quentura hostil, exacerbada pelo entrecruzar de coxas e panturrilhas, exonero-me das três camadas que abafam a cama. Assim vou modulando a temperatura externa e interna, usando o pé como termômetro – abaixo dos 18o, cubro; acima dos 21o, descubro.
Nesse estudo, não se pode esquecer da sismologia. Uma cama que estremece não é confiável. Denuncia as incursões do parceiro à cozinha – entra e sai, entra e sai, entra e sai, agitando o outro lado silencioso que dormita. Melhor mesmo é encontrar um terreno firme, em que não haja esse inconveniente a todo momento. Por isso, reprovo colchões de mola. São sedutores a princípio. Mas embaraçam a livre circulação pela madrugada do guloso, do insone, do inquieto, do tarado... do escritor, enfim, que é tudo isso. Quando as molas se cansam do corpo obeso, entregam-se cansadas à lassidão e, daí então, não têm pudor em fazer barulho. Qualquer som que venha de uma cama é imoral. É preciso vedar indiscrições, deixando aos habitantes o arbítrio entre ranger ou não ranger. São eles – e não a cama – quem hão de decidir.
Convém não esquecer, por fim, do movimento rotacional no quarto. A minha cama é virada de quinze em quinze dias, como uma espécie de órbita lenta. É que o meu lado está mais sujeito às vicissitudes da gravidade, evidentemente. Assim procedendo, gasto a superfície macia com isonomia, até que a terra se esgote em maciez. Talvez eu consiga comprar outro um terreno para habitar com meus vícios e sonhos. Mudar de colchão é mudar de casa. Não é para todo ano. É preciso assumir que, na mudança, algumas coisas desaparecem. Outras nunca mais serão as mesmas. Além do fato de ser difícil aprender essa delicada ciência que é conhecer e conquistar a própria cama.
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