Única News
Há cerca de 60 dias, Cuiabá tem sido foco de um assunto que não me traz prazer algum falar sobre, mas é necessário. No dia 12 de julho de 2020, a garota Isabele, então com 14 anos, perdeu a vida.
As circunstâncias desta morte têm sido fonte de debate incessante desde o dia do seu acontecimento, com julgamentos apressados exarados pelos cidadãos, em evidente resposta à pergunta ainda não respondida: como e porquê Isabele morreu?
A despeito de ser uma pergunta que toda a população cuiabana, e mesmo do Brasil, após a exibição de matérias reiteradas sobre o assunto no Programa Fantástico, quer saber, no espaço temporal em que estamos, falando juridicamente, apenas o “como” é relevante.
Ontem, dia 02/09/2020, a Polícia Judiciária Civil apresentou seu Relatório Policial sobre o caso em Coletiva de Imprensa. Ao final da exposição dos delegados e peritos, a pergunta reiteradamente feita pelos profissionais de imprensa ali presentes se referiam aos “Porquês” do caso. Porque a adolescente B.O.C. teria feito isso ou aquilo. Porque o Sr. Marcelo Cestari teria feito tal coisa. E inúmeros outros porquês.
No entanto, para o leigo, é importante esclarecer que o ato publicizado na Coletiva de Imprensa de ontem é “limitado”. O relatório policial, etapa judicial onde estamos nessa busca pela verdade, deve sim apresentar qual a tipificação penal que entende devida aplicação ao caso submetido a sua apreciação.
Contudo, os motivos do agente indiciado, aqui entendidos como características subjetivas dos agentes apontados no Relatório Policial, apenas podem ser aferidos pelo Juiz, no julgamento da causa. E antes desse julgamento, ainda passará pelo crivo do Promotor do caso, que ele sim, decidirá sobre quais “tipos penais”, quais “crimes”, apresentará a denúncia.
No caso Isabele, estão todos questionando o motivo do crime. Contudo, é importante anotar que a PJC, através do Relatório Policial do Delegado competente, não precisa apontar o motivo para indicar o tipo penal correlato, ou seja, promover o indiciamento.
Independente de qual seja o motivo, ocorreram fatos que podem ser tipificados como crime. Se um crime existir, tal será declarado pelo Juiz de Direito da causa. E não pelo Delegado. A Polícia Judiciária, ao exercer a função a ela atribuída pelo ordenamento jurídico brasileiro, não tem compromisso com acusação ou defesa, mas apenas com a busca de verdade. Essa é a lei.
Seu primeiro objetivo deve ser não perseguir o criminoso, mas, principalmente, proteger o inocente. E o papel do relatório policial não é imiscuir sobre a vontade subjetiva do agente apontado. Mas sim apontar, considerando as diligências realizadas durante a fase investigativa, se há indícios de materialidade e autoria para atribuir a determinada pessoa o cometimento de ato tipificado penalmente.
Com a conclusão do inquérito que investiga a morte da garota Isabele, com o indiciamento de duas pessoas e ato infracional de dois adolescentes, um deles por homicídio doloso, mas sem o apontamento do motivo do crime, esta questão veio à tona.
No entanto, a Lei Federal n.º 12.830/2013, em seu art. 2º, §6º determina que: “O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.”
A expressão “técnico-jurídica” ali pontuada determina que não cabe à Autoridade Policial fazer a análise subjetiva da motivação emocional do fato analisado.
Assim, não tem o presente artigo a pretensão de afirmar ser ou não o indiciamento relatado no caso Isabele como correto ou equivocado. É muito cedo para isso. Unicamente, pretendemos fazer o necessário esclarecimento para que os cidadãos que buscam o “Porquê?” entendam que não cabe ao Delegado afirmar tal. À autoridade policial cabe apenas ditar o “como”, de acordo com seu entendimento e fundado nos elementos dos autos, até então colhidos.
As fases posteriores, com a Denúncia a ser realizada (ou não) pelo Ministério Público, e o superveniente recebimento da Denúncia pelo Juiz da Causa (ou não), sequer precisam manter a mesma tipificação penal elencada no Relatório Policial.
Portanto, antes de promovermos um “julgamento” antecipado, devemos aguardar as instituições incumbidas de realizar a apreciação do “Porquê?”, e sobretudo, respeitar o direito à ampla defesa e o devido processo legal de TODOS os envolvidos.
A Bíblia, em Provérbios 25:8, aduz: “Não seja apressado, querendo julgar um caso que você não conhece direito. Que acontecerá quando seu vizinho provar que você está errado?”
É um bom provérbio.
*João Victor Gomes de Siqueira é advogado em Cuiabá, sócio da Dias Lessa Advogados.
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