G1
A canadense Shyla Stylez tinha 35 anos e integrava o "hall da fama" de seu ramo de atuação – morreu durante o sono, em 9 de novembro. Um mês depois, August Ames, de 23 anos, cometeu suicídio.
Dias mais tarde, morreu Yuri Luv, de 31 anos – a suspeita é de overdose acidental de remédios. Em 7 de janeiro, Olivia Nova, de 20 anos, foi encontrada morta – causa desconhecida. Finalmente, em 18 de janeiro, Olivia Lua, de 23 anos, morreu em uma clínica de reabilitação em Hollywood.As cinco eram atrizes de filmes pornô. Esta sequência de mortes trágicas e repentinas – em três meses – vem abalando o mercado internacional do segmento.
O G1 perguntou a estrelas brasileiras do ramo, todas ganhadoras do Prêmio Sexy Hot, o "Oscar pornô" nacional, se para elas pode haver relação direta entre a ocupação e o desfecho fatídico dessas histórias.
Elas rejeitam da hipótese de que a profissão provocou uma "epidemia" de depressão e uma "onda de suicídios". Mas, por trás desse discurso cauteloso – do tipo "comigo não, mas já ouvi falar" –, admitem a possibilidade de haver efeitos no estado psicológico de quem atua em filmes adultos, principalmente com novatas.
As entrevistadas querem ainda desfazer o estereótipo de que, neste mercado, há excesso de drogas, violência, abuso e promiscuidade.
Elas dizem estar no pornô por pelo menos cinco motivos:
A remuneração é boa, mesmo que complementada com outras atividades relacionadas ao pornô ("cam girls" é uma delas). Mas todas repetem que a indústria já não dá mais a grana dos bons e velhos tempos, antes de pirataria on-line reduzir dramaticamente o número de produtoras e de ofertas de trabalho
Garantem que têm direito de dizer "não" se determinada situação no set de filmagens provoca constrangimento ou desconforto. Mas reconhecem que, no início da carreira, dá receio de contrariar "ordens" – as meninas inexperientes imaginam que a imposição é a regra do jogo
Trabalham porque gostam (de sexo e da atividade), e não porque era "a última opção" profissional
Preconceito (da família, dos amigos) faz parte do pacote, mas dá para superar e ter orgulho do pornô
Atuar em produções pornô "faz bem à autoestima" (e há "fetiche" de se ver em cena)
O G1 também entrevistou uma professora do Bacharelado de Estudos de Gênero e Diversidade da Unifederal da Bahia (UFBA). No mestrado, ela estudou o "pornô feminista", que privilegia o prazer feminino e é diferente do "pornô mainstream" (convencional).
A pesquisadora vê nas produções tradicionais a "subjugação da mulher pelo homem" e destaca que atrizes pornô não têm suporte de leis trabalhistas (vale para Brasil e EUA). Elas atuam num ambiente de muita concorrência, sem segurança no emprego e exigente do ponto de vista físico e emocional.
Já estrelas americanas enxergam um cenário preocupante. "Nós estamos em crise na indústria de filmes adultos", avaliou Amber Lynn em recente entrevista à revista "Rolling Stone".
A fala das estrelas do pornô nacional parece combinada (elas foram entrevistadas separadamente): é preconceito atribuir mortes trágicas ou suicídios de atrizes internacionais ao trabalho nos filmes adultos. Mas dá para perceber, depois, variações na análise.
Patricia Kimberly, de 34 anos e atuando em mais de 50 filmes pornô desde 2005, acha que "tem pessoas que começam a fazer o pornô pelo dinheiro e não estão preparadas para a exposição e a repercussão".
"Aí, quando todo mundo descobre, a atriz vê o lado negativo e se deprime – que nem a Leila Lopes", lembra, em referência à atriz que, depois de fazer novelas nos anos 1990, passou a atuar no mercado pornô a partir de 2008. Leila Lopes cometeu suicídio em dezembro de 2009.
á Fabi Thompson, de 34 anos e que fez mais de 100 filmes desde os 22, diz: "O suicídio não tem nada a ver com ser atriz. Tem mais a ver com o psicológico da pessoa. Tem pessoas de outros ramos que também se suicidam, têm problemas e depressão. Tudo depende".
Mayanna Rodrigues, de 31 anos e atriz desde 2005, vai na mesma linha, mas acrescenta: "Óbvio que o trabalho influenciou, mas é hipócrita achar que foi por causa da pornografia. Tem uma série de quesitos: pode ser familiar, de relacionamento, talvez ela já tivesse a doença antes de entrar na pornografia – e a pornografia foi só um gatilho".
Todas as atrizes entrevistadas disseram já ter participado de filmes internacionais – e elas gostam de mencionar o "profissionalismo" das equipes que vêm de fora.
Ainda assim, Emme White, de 37 anos e que faz filmes há dois, lança uma hipótese. "No Brasil, não tem todo mês vários filmes para fazer. E lá fora, como são muito mais atrizes e a competição é maior, talvez as atrizes se sintam obrigadas a fazer coisas que não fariam", compara.
"Sinceramente? No Brasil, a coisa é mais leve mesmo. Lá fora, parece que o pessoal gosta de uma coisa mais pesada. Já não basta mais a penetração anal, tem que ser dupla, tripla – é uma coisa que cada vez exige mais e mais fisicamente. Talvez mexa com a cabeça delas. Tem que explorar cada vez mais o físico. Vai saber, a longo prazo, como isso cai na mente da pessoa?"
"Quando entrei [no mercado], acontecia muito de as meninas acharem que aquilo que estava sendo imposto era como funcionava o mercado", lembra Mayanna Rodrigues. "Você entra num set para filmar, se você é novata, e aí não tem referência de como funciona. Faz o que falam para você fazer, por mais que ache incômodo. Vai virando uma bola de neve..."
Ela afirma que, com a experiência, a atriz "ganha espaço e voz" para negociar com a produtora – na base do "isso eu não faço". "Aí, as produtoras falam: 'Beleza, então a gente faz de outro jeito'". Defendendo a "pornografia alternativa", Mayanna acredita que "a popularização do feminismo – o fato de a gente ter começado a tomar o nosso espaço – influencia totalmente no mercado da pornografia".
Já Emme White relativiza: "É como outros trabalhos – às vezes, a pessoa está num trabalho de que não gosta, mas é obrigada a fazer certas coisas ou para ganhar mais ou para crescer na carreira".
Outro ponto de concordância entre as atrizes que estão entre as mais bem-sucedidas do pornô nacional: a profissão não foi escolhida por falta de opção ou no desespero.
"As atrizes pornô às vezes já conquistaram muitas coisa que pessoas consideradas normais, com faculdade e não sei o quê, não conquistaram. Financeiramente, é óbvio que é um trabalho bom", diz Fabi Thompson. "Sou separada, mas minha vida é toda certinha, meu filho estuda em escola particular, é muito bem criado."
Patricia Kimberly afirma: "Ergo a cabeça para falar: 'Faço pornô mesmo'. Não me envergonho, gosto do que faço e encaro a profissão de uma forma positiva. Nunca vai me deprimir. Escolhi isso, sei as consequências, mas encaro".
Como lidar com preconceito e estereótipo?
"Gosto e sempre gostei de sexo, faço as coisas que gosto de fazer. A partir do momento em que me aceitei, as pessoas não precisam aceitar, só respeitar", diz Fabi Thompson, sobre o preconceito e o "estereótipo da profissão".
Para Mayanna Rodrigues, é preciso "entrar num debate" e dar "uma vida digna" aos profissionais envolvidos."Todo mundo consome pornô. Por que não produzir algo mais saudável? A pornografia pode ser saudável e ter um mercado de trabalho decente. Óbvio que, como qualquer mercado de trabalho, tem os abusos, mas também tem gente séria."
É falsa a ideia de que, entre estrelas pornô, existe maior índice de abuso sexual infantil, problemas psicológicos e uso de drogas em comparação com mulheres de outras profissões. Ao menos foi essa a conclusão de um estudo publicado em 2012 no "Journal of Sex Research".
A pesquisa comparou 117 atrizes com mulheres da mesma idade, etnia e estado civil. O resultado foi que as atrizes têm níveis mais altos de autoestima, sentimentos positivos, apoio social, satisfação sexual e espiritualidade.
Por outro lado, alguns estereótipos se confirmaram. De acordo com o estudo, as atrizes pornô apresentaram maior probabilidade de ter usado dez diferentes tipos de droga. Além disso, elas seriam mais propensas a se identificar como bissexuais, começaram a ter relações sexuais mais precocemente, estavam mais preocupadas com DSTs e gostavam mais de fazer sexo.
Essa questão da autoestima não foi surpresa para Fabi Thomspon: "É uma coisa de fetiche – gosto de me ver transando. Claro que a autoestima fica mais elevada, porque você faz uma coisa de que você gosta, fica mais feliz, não está bloqueada. Essas mulheres [que não são atrizes] com certeza não têm bons parceiros, não têm boas transas, não gozam, não se tocam, não conhecem o próprio corpo. As atrizes também melhoram na maneira de ver o mundo, de se conhecer e se empoderar".
Professora do curso Bacharelado de Estudos de Gênero e Diversidade da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Thais Faria de Castro avalia que os filmes pornô mainstream (convencionais) reproduzem e contribuem para a "manutenção do machismo, da hegemonia masculina".
Autora da dissertação de mestrado "(Des)construindo performances: O feminino como sujeito na pornografia feminista", ela crê que o trabalho como atriz pornô pode ter efeito nocivo na saúde das atrizes e cita "a perspectiva de desumanização das pessoas que trabalham com pornografia".
Para a pesquisadora, "a precarização vai gerar esse contexto de violência, que vai 'matando' essas pessoas". "E, se não mata através do suicídio, vai matando através de outros fatores: privação do convívio social, da afetividade, da saúde. É uma falta de segurança de acesso à humanidade, por isso chega a situações tão extremas, como o suicídio."
Em entrevista à "Rolling Stone", uma atriz chamada Ruby, que faz parte do AVN Hall of Fame, afirma: "Na minha opinião, eles realmente não se importam se morremos ou não. A verdade é que – e provavelmente vou pegar um pouco pesado aqui –, mas esta é a verdade: eles preferem que morramos, Dentre os agravantes de problemas de saúde mental ou abuso de substâncias, são listadas "a facilidade para entrar no ramo, a segurança quase inexistente no emprego, as condições extremas de trabalho, as pressões para interagir em redes sociais, o aumento da concorrência sem aumento de salário e a demanda por cenas que exigem muito fisicamente".
As atrizes entrevistadas pelo G1 disseram desconhecer se existe, no Brasil, uma entidade que represente profissionais dos filmes pornô. Nos Estados Unidos, há a Internacional Entertainment Adult Union (IEAU), que em 2015 foi reconhecida pelo equivalente americano ao ministério do trabalho.
Uma divisão da IEAU é a Adult Performers's Actors Guild (APAG), que defende interesses dos atores e atrizes mais na base da divulgação de demandas que de ações concretas. "Estamos trabalhando para conseguir algo juntos, como um centro de saúde mental para nossos atores, o que é obviamente leva tempo e nós teremos de usar subsídios", declarou à "Rolling Stone" Kelly Pierce, do conselho da APAG.
Nos Estados Unidos, também existe a Adult Performer Advocacy Committee (APAC), organização não sindicalizada que atua para melhorar as condições de saúde e segurança dos atores. A APAC diz que quer atuar "nas arenas legislativas e sociais". Também fornece uma lista de terapeutas e psicólogos aos quais atrizes podem recorrer.porque assim podem ganhar dinheiro conosco para sempre".
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