Por Monique Oliveira, G1*
(Foto: Fábio Tito/G1)
Criança brinca antes da transmissão do jogo Brasil contra a Costa Rica, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, no dia 22 de junho.
Nunca é fácil lidar com frustração: a sensação de aperto no peito, aquela alegria "extra" da idealização da vitória que desapareceu. Ver o Brasil ser eliminado da Copa, então... Mas não adianta fingir que nada aconteceu, dizem especialistas. Para quem viu o jogo e colocou expectativa na vitória, a decepção certamente virá.
Adultos têm mais facilidade para seguir adiante: a rotina volta ao normal e há maior entendimento sobre como funciona a natureza do esporte. Sabemos que há uma alternância natural entre ganhar e perder.
Crianças, no entanto, podem levar mais tempo para chegar a esse entendimento e precisam de ajuda. Uma boa orientação nessa hora pode ser a diferença tanto para lidar com a frustração momentânea quanto para aprender a superar possíveis decepções futuras, dizem especialistas.
"Algumas crianças não têm ferramentas para lidar com frustração. Será um momento propício para conversar sobre tolerância, sobre expectativas, sobre a natureza da vida e do esporte", explica Rodolfo Rasmusen, psicólogo especialista em esporte em São Paulo.
O psicólogo explica que nem todos os pequenos vão agir da mesma forma. O nível de frustração vai depender de cada torcedor mirim -- e dificilmente vai estar atrelado ao momento da partida somente. A criança entende a natureza do esporte? Tem bons exemplos em casa? Aprendeu a lidar com frustrações em outras situações? Ela teve muita expectativa?
(Foto: Arquivo Pessoal)
Cristiano Oliveira, de 10 anos, . Ele comemora todos os aniversários com o tema futebol. Ele conta que ficou depressivo na eliminação do Brasil em 2014, mas conseguiu se distrair e esquecer.
O ambiente familiar e a expectativa podem ter contribuído para a frustração de Caio Oliveira Mello Miranda, 14, na eliminação do Brasil durante a Copa de 2014 no fatídico 7x1 contra a Alemanha. Ele tinha 9 anos na época e viu o jogo com toda a família em Petrolina (PE).
"Todos falavam que o Brasil ia ganhar porque tinha um bom time. Também diziam que o Brasil teria mais garra porque o Neymar se machucou. Quando o jogo começou, e eu vi o Brasil levando uma surra, chorei muito. Não achava que aquilo ia acontecer. Quis parar de torcer para o Brasil" -- Caio Oliveira Mello (14).
O torcedor mirim atribuiu sua frustração em 2014 ao seu baixo entendimento de futebol. "Todo mundo falava que o time era o melhor, então, eu acreditava", diz.
Caio demonstra que conseguiu lidar com a frustração e compreender como funciona o futebol com o passar do tempo, a exemplo da orientação de psicólogos. De fato, algumas crianças podem inclusive lidar melhor que adultos: sabem que perder o jogo faz parte e conseguem até "apostar" numa possível derrota do Brasil.
O estudante capixaba Felipe José Nader Ribeiro, de 14 anos, por exemplo, chegou a ganhar um bolão na Copa de 2014 ao acertar que a Alemanha venceria o Brasil por 7 x1.
Há também os que ficam tristes, mas têm a habilidade de lidar com o que aconteceu, nomeando o sentimento, conseguindo conversar sobre. O pequeno Pedro Rodrigues, "de quase sete anos", como ele mesmo pontua, diz que o que sentiu durante o 7 x1 contra a Alemanha ficou guardado.
“Estava na casa dos meus avós, em Teresópolis, próximo à Granja Comary. Lembro de como aquele jogo deixou todos muito tristes. Aquilo ficou guardado. Era tristeza mesmo, sabe? -- Pedro Rodrigues (7 anos), sobre a derrota do Brasil contra a Alemanha.
Cristiano Oliveira, de 10 anos, de Teresina (PI) apesar da pouca idade, também lembra do 7x1 da Copa de 2014 e se utilizou da distração para vencer a frustração. "Foi uma sensação de tristeza. Fiquei meio depressivo. Eu jogava bola com os meus amigos. Tentava esquecer", conta.
Apesar da diferença entre adultos e crianças, entretanto, um ponto importante é que torcedores mirins comumente vão lidar com a frustração de maneira muito semelhante aos pais. "Elas tendem a seguir e ser o espelho dos pais", diz Alberto Santos, psicólogo do esporte em São Paulo.
"Se a criança tem modelos consistentes de como lidar bem com a frustração, se tem familiares que costumam lidar bem com isso, ela vai passar por isso sem maiores problemas", afirma Santos.
(Foto: Arquivo Pessoal)
O pequeno Kaio Vitor, 11, do Rio de Janeiro, diz que ficou 'tentando esquecer' a derrota do Brasil contra a Alemanha. 'Consegui mais ou menos', diz.
A eliminação do Brasil, contudo, pode dar espaço para oportunidades importantes na experiência emocional da criança, como o desenvolvimento da tolerância. O esporte é uma circunstância propícia para ajudar no desenvolvimento de uma maior resistência à frustração, dizem psicólogos,.Como ajudar a criança a superar a frustração:
- A frustração é normal. Ela ajuda a criança a se tornar mais forte, mais resiliente.
- Caso a criança chore, promova acolhimento: abrace, explique, converse sobre o assunto.
- Não mascare o ocorrido, desviando a atenção da criança para doces ou outros assuntos. Aproveite a oportunidade para explicar o que aconteceu. O desvio pode acontecer depois da conversa.
- Converse sobre o que aconteceu, explicando a natureza do esporte e da vida.
- Exemplos de superação e histórias são boas maneiras de explicar o ciclo do esporte e da vida, dizem especialistas. Há uma alternância natural entre ganhar e perder.
- Na Copa do Mundo, uma maneira de ajudar na superação é explicar toda a preparação para um campeonato como esse e discorrer sobre as dificuldades. Trata-se de um ciclo de quatro anos, com ótimas seleções, e muita preparação.
- Especialistas também sugerem valorizar os ganhos do processo e relembrar os bons momentos do Mundial.
- Cabe controlar um pouco a frustração da própria família. Segundo especialistas, claro que todo mundo tem o direito e vai ficar triste, mas a criança absorve o sentimento do entorno.
- Observe como a criança lidou com a eliminação. A dificuldade de frustração ocorreu em outros momentos e as conversas não têm sido eficazes? Se sim, talvez seja o caso de procurar ajuda.
De modo geral, a frustração é um processo natural, mas níveis muito altos de frustrações, dizem especialistas, indicam que há questões para além do jogo. Há que considerar a experiência da criança em outras situações; e, se for o caso, buscar ajuda.
"Dependendo do grau dessa frustração e de outras circunstâncias em que ela se apresente, pode ser necessária uma investigação mais profunda", diz Alberto Santos."Um caso isolado como um jogo nunca vai ser indicativo de uma patologia ou de algo mais grave. É necessário investigar o conjunto" -- Rodolfo Rasmusen, psicólogo especialista em esporte em São Paulo.(Foto: Arquivo Pessoal)
O pequeno Guilherme Pinto Soares, 11 anos, aprendeu a comemorar as pequenas vitórias e acreditar na 'volta por cima'.
Oportunidade para aprender a lidar com a frustração
Especialistas explicam que a frustração, se mal gerenciada, pode acarretar em baixa tolerância a momentos negativos ao longo da vida. "Uma orientação é conversar sobre o assunto. Não esconder o que aconteceu. Não superproteger", diz Santos.
(Foto: Arquivo Pessoal)
Felipe José Nader apostou em bolão que Brasil perderia da Alemanha por 7 a 1.
Alberto Santos explica que a Copa do Mundo pode servir para explicar a importância do planejamento, da preparação e da valorização dos pequenos ganhos ao longo do processo, mesmo que o resultado final não tenha sido o esperado.
O Mundial também pode ensinar que algumas situações não podem ser controladas, independente do esforço empreendido.
A valorização das pequenas vitórias foi o que ajudou o pequeno brasiliense João Guilherme Pinto Soares, de 11 anos, a superar a frustração do 7x1. Mesmo com tudo o que aconteceu, ele conta que comemorou o único gol feito pelo Brasil -- do Oscar, no minuto 90, pouco antes do fim da partida: o chamado "gol de honra".
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