Luisa Arraes
Marie Claire
Escrevo da terra das feias, para as feias, as velhas, as machonas, as frígidas, as malfodidas, as infodíveis, as histéricas, as taradas...”: Luisa vai recitando, enquanto serve o café que acabou de preparar na cozinha do seu charmoso apartamento no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. “Morava aqui com uma amiga. Duas Luisas. Ela foi casar e eu fiquei”, conta. Nascida Arraes, sobrenome que remete à gênese da esquerda brasileira, neta de Miguel Arraes, tem política no sangue, embora diga que narrar o best-seller feminista Teoria King Kong, da francesa Virginie Despentes, seja algo análogo ao tempo: “Não houve um despertar para o feminismo. É coisa de geração. Fico feliz de estar junto."
Aos 25 anos, Luisa Arraes emite aquela coisa inominável que deixa qualquer um à vontade. Autenticidade talvez seja a palavra. O ano que passou foi para ela um marco. Na TV, viveu a encantadora e rebelde Manu, de Segundo Sol, que a alçou ao time das protagonistas. No teatro, percorreu o país com Grande Sertão: Veredas, adaptação de Bia Lessa da obra-prima de Guimarães Rosa. E, no lusco-fusco de 2018, estreou Rasga Coração, filme de Jorge Furtado que transporta para hoje o conflito geracional, social e político escrito por Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, nos tumultuosos anos pós-AI-5. Em 2019, duas estreias no cinema prometem a consagração como atriz: Vertigem, de Carol Jabor, e Grande Sertão: Veredas, a versão de Bia Lessa para o cinema do livro de Guimarães.
Em seu apartamento, sobre a mesa da sala, o livro A Morte da Verdade – Notas Sobre a Mentira na Era Trump, da jornalista Michiko Kakutani. “Você tem de ler, é uma loucura”, recomenda, contando como foi parar nas praças do centro do Rio nos dias que antecederam o pleito que elegeu Jair Bolsonaro: “Havia um clima de ódio aos artistas, aquela mentirada de Lei Rouanet. Resolvemos voltar ao simples, conversar com as pessoas. Na rua, foi um ufa, tinha afeto”.
Ela não sabe se seguirá a carreira apenas como atriz: “Penso em fazer mestrado. Me formei em letras e queria continuar, tenho vontade de focar num objeto de estudo”. Filha do diretor Guel Arraes e da atriz Virgínia Cavendish, a profissão nunca lhe foi óbvia, embora tenha estreado nela aos 10, no filme Lisbela e o Prisioneiro, com o pai na direção e a mãe no elenco:
“Entrei porque estava ali sentada e precisavam de uma criança. Fui fazendo pontinhas. Virei adolescente e parei. Entrei em cinema na PUC-RJ, larguei e fui fazer teatro com o Antunes em São Paulo, depois fiz CAL (Casa das Artes de Laranjeiras), aí descobri o curso de letras e me apaixonei”.
No momento, debruça-se sobre a literatura feminista. Acabou de debulhar Explosão Feminista, de Heloisa Buarque de Hollanda. Está lendo Calibã e a Bruxa, da historiadora italiana Sílvia Federici. “Feminismo: um assunto vasto. Quantos feminismos existem?”, questiona, lembrando um episódio que aconteceu na Escola Parque, colégio da classe média alta, no alto da Gávea: “Um coleguinha me perguntou quais haviam sido as mulheres que mudaram o mundo, citou Einstein, Freud... Eu não sabia responder. Perguntei para uma amiga mais velha, ela falou Dorothy Parker, Virginia Woolf... Falou três autoras, decorei duas”.
Talvez tenha sido este o início de uma jornada: “Não é escolha. Um dia você acorda e diz para si mesmo: ‘vou estudar isso’. Vai encontrando pessoas que vão te dizendo coisas e você pensa, ‘pera aí, isso que você está dizendo me machuca muito e nem sei por quê’. Nesse sentido, é uma necessidade. Isso é que é interessante”.
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