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GERAL Segunda-feira, 07 de Setembro de 2020, 19:25 - A | A

07 de Setembro de 2020, 19h:25 - A | A

GERAL / ENTREVISTA/REVISTA ÚNICA

“Faltou compromisso dos gestores para contenção do coronavírus”, diz procurador-geral de Justiça José Antônio Borges  

 Para o procurador-geral de Justiça, tragédia maior no Estado só foi evitada por conta do comprometimento e dedicação dos profissionais de saúde

   Aline Almeida  



José Antônio Borges

 

Procurador-geral de Justiça de Mato Grosso, José Antônio Borges discorre sobre a atuação do Ministério Público durante a pandemia. A covid-19, que registrou o primeiro caso no Estado em março deste ano, trouxe oportunidades para que gestores municipais e estaduais preparassem medidas de contenção. No entanto, muitos deles tiveram que ser acionados judicialmente para colocar em ação a contenção.  

 

Única – Faça um pequeno balanço das ações do Ministério Público durante a pandemia.  

José Antônio Borges Pereira – O Ministério Público de Mato Grosso estabeleceu, com antecedência, antes mesmo de a pandemia ter chegado em nosso Estado, uma estratégia que orientasse sua atuação no combate ao novo coronavírus e na fiscalização dos entes públicos, no que diz respeito à aplicação dos recursos destinados a esse fim. Essa estratégia vem sendo seguida por todos os seus membros, promotores e procuradores, em todo o Estado. Podemos dividir a atuação do Ministério Público Estadual em três momentos: inicialmente, atuamos no sentido de recomendar ao Governo do Estado e aos municípios investimentos na estruturação da área de saúde para atuar na pandemia, seja na atenção básica, seja na criação de leitos de UTIs. Como em Mato Grosso a proliferação do vírus aconteceria mais tarde, haveria um tempo para que as instituições públicas se preparassem. Muitas medidas recomendatórias foram emitidas ao Estado e aos municípios para que se preparassem com antecedência. O MP, inclusive, deu sua contribuição no aspecto financeiro, requerendo e/ou destinando R$ 46,5 milhões para esse fim, atuando em parceria com o Poder Judiciário, Tribunal de Contas e os órgãos de controle do Executivo. Esses recursos foram destinados ao Fundo Estadual de Saúde, fundos municipais de saúde e hospitais municipais, instituições de combate à Covid, Consórcio Municipal de Saúde e ao Fundo Penitenciário Estadual.

Única – Quais foram as outras medidas?

José Antônio Borges – Num segundo momento, fizemos uma série de recomendações ao Estado e aos municípios relacionadas à adoção de medidas mais restritivas de isolamento social, meio mais eficiente de controle da doença. Nesse sentido, foram movidas ações judiciais para imposição de medidas mais restritivas pelos municípios e mais de noventa medidas extrajudiciais com o mesmo fim. Também adotamos uma atuação regionalizada por polos e comarcas, de forma a dar uniformidade às ações dos municípios, de acordo com a realidade regional. Exemplo: pela via judicial, o MP conseguiu na Justiça que todos os municípios do Vale do Teles Pires adotassem ações uniformes e conjuntas de medidas restritivas de funcionamento das atividades econômicas, isolamento social, etc. Por fim, por meio da Procuradoria Especializada da Probidade Administrativa, foi instituída uma Força-Tarefa para dar suporte aos promotores no acompanhamento dos repasses de recursos pela União aos municípios e sua aplicação. Foi desenvolvida uma ferramenta, o “Painel Covid-19”, de acesso exclusivo a promotores e procuradores, na qual são disponibilizadas informações, como a média de preços de insumos e equipamentos praticada no mercado, antes e durante a pandemia, e as modalidades mais utilizadas para contratação. A ferramenta possibilita, inclusive, a emissão de alerta sobre eventual sobrepreço praticado pela empresa fornecedora.

“Falta uma maior conscientização da população em relação à gravidade da doença, que é violenta e muitas vezes letal, e um maior compromisso dos gestores públicos com o seu enfrentamento”, afirma José Antônio Borges.

Única – Em quais casos as pessoas podem acionar o Ministério Público?

José Antônio Borges Pereira – Qualquer cidadão que tenha informações concretas, elementos consistentes que apontem para indícios de irregularidades no uso e aplicação de recursos públicos, desvios de finalidade, improbidade, dentre outros, pode formalizar sua denúncia ao Ministério Público por meio de nossos canais de comunicação, como a Ouvidoria, usando o telefone, WhatsApp, e-mail. Na pandemia, por medida de segurança, não estamos tendo atendimento presencial, mas ampliamos nossas ferramentas de comunicação para facilitar o acesso da população à instituição.  

Única – A pandemia trouxe um cenário ainda mais notório de pessoas terem que recorrer à Justiça para garantir acesso a um leito de Unidade de Terapia Intensiva e um tratamento adequado. Fale sobre a judicialização da saúde.  

José Antônio Borges Pereira – A judicialização de qualquer demanda social ou do cidadão deve ser evitada o máximo possível, pois a tramitação dos processos judiciais, no geral, é lenta, demanda uma série de procedimentos. Além disso, sobrecarrega ainda mais o sistema judicial. Nossa orientação aos promotores é de que evitem, ao máximo, a judicialização, buscando a conciliação, acordos. Mas nem sempre isso é possível e, quando se trata da saúde das pessoas, de preservar a vida, o MP, não conseguindo resolver a situação por meio da mediação, vai agir sempre em defesa do cidadão. Esse é seu papel constitucional.  

Única – Qual tem sido a maior dificuldade neste período de pandemia?  

José Antônio Borges Pereira – Falta uma maior conscientização da população em relação à gravidade da doença, que é violenta e muitas vezes letal, e um maior compromisso dos gestores públicos com o seu enfrentamento. Só não temos uma tragédia ainda maior pelo comprometimento e dedicação dos profissionais de saúde e por dispormos do SUS, um sistema de saúde que, embora tenha problemas e seja menosprezado por muitos, é o que tem dado a proteção necessária à nossa população.   

Única – O que a pandemia deixa de ensinamento?

José Antônio Borges Pereira – Que não podemos brincar com a saúde do cidadão, para não termos dezenas de milhares de famílias perdendo seus entendes queridos, um trauma para a vida toda. E que é preciso um maior comprometimento dos nossos governantes com uma gestão pública eficiente, transparente e correta. Infelizmente, temos visto casos de supostos desvios de recursos destinados ao combate à pandemia, que estão sendo investigados. Isso é absolutamente inaceitável.

Única – Acredita que o Estado tardou em tomar medidas de contenção ao vírus?  

José Antônio Borges Pereira – O que o Ministério Público questionou e até fez uma notificação recomendatória nesse sentido, foi que os decretos do Governo do Estado direcionados aos municípios fossem impositivos, e não apenas recomendatórios, pois a situação da pandemia em várias regiões se agravava cada vez mais. De qualquer forma, os prefeitos tinham autonomia e amparo legal para ampliar as medidas de distanciamento social, torná-las mais rígidas. Alguns municípios adotaram medidas mais duras, outros não. Mas lembro, inclusive, que com intermediação do MP, houve situação em que os municípios, de comum acordo, baixaram decretos mais restritivos uniformes, com bons resultados no controle da proliferação da doença, como ocorreu no Vale do Teles Pires.  

“Nossa orientação aos promotores é de que evitem, ao máximo, a judicialização, buscando a conciliação, acordos. Mas nem sempre isso é possível e, quando se trata da saúde das pessoas, de preservar a vida, o MP, não conseguindo resolver a situação por meio da mediação, vai agir sempre em defesa do cidadão”, diz José Antônio Borges.

Única – Eleições e volta às aulas: são essenciais que aconteçam?  

José Antônio Borges Pereira – São duas questões importantes. Há praticamente um consenso de que adiar as eleições não seria salutar para a democracia, estaríamos subtraindo o direito sagrado dos cidadãos escolherem seus representantes ao final do mandato. Em muitos casos, estaríamos prorrogando mandatos de gestões que não estão sendo aprovadas pela população, com os prejuízos políticos e administrativos que isso provoca. Mas o Tribunal Superior Eleitoral, sob a liderança do seu atual presidente, ministro Luiz Roberto Barroso, vem conduzindo o processo com firmeza, equilíbrio e sensatez, adiando o pleito municipal para poder realizá-lo com toda a segurança sanitária necessária. Já com relação à interrupção do calendário escolar, não há dúvida de que se trata de um grande prejuízo às nossas crianças e adolescentes. Mas isso também foi necessário para proteger sua saúde, suas vidas. E o retorno das aulas, quando ocorrer, deverá ser feito com toda a segurança possível, e isso exige dos estados e municípios uma série de medidas, inclusive investimentos em infraestrutura e pessoal, para assegurar um ambiente seguro nas escolas, no qual não ocorra o contágio pelo Novo Coronavírus. A data do retorno deve ser definida com todo o cuidado, com uma avaliação criteriosa e orientação das autoridades sanitárias, para não expormos os estudantes e os profissionais da educação à doença.  

Única – Temos uma realidade muito preocupante: a violência contra a mulher e o feminicídio. Destaque as frentes de trabalho do órgão ministerial nestas causas.  

José Antônio Borges Pereira – Este é um tema muito preocupante. A violência contra a mulher no Brasil alcança índices inaceitáveis. Em Mato Grosso, a situação não se difere do resto do país. E, com a pandemia, agravou-se ainda mais. De acordo com levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de casos de feminicídio registrados entre março e abril deste ano, em comparação com o mesmo período de 2019, cresceu em 150% em nosso Estado, ficando atrás apenas do Maranhão. O Ministério Público de Mato Grosso atua cada vez mais fortemente no combate à violência doméstica contra a mulher, em parceria com outras instituições. E, neste momento, estamos participando da campanha “Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica”, criada em parceria pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Instituto Mary Kay (IMK) e a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma). Mulheres que não conseguem denunciar a violência que sofrem dos seus companheiros, em suas próprias residências, agora podem fazê-lo com discrição e segurança, fazendo um sinal na palma da mão e mostrando a um atendente de farmácia, que então aciona a polícia. Nós estamos participando da campanha ativamente, utilizando nossos meios de comunicação para divulgá-la em todo o estado e mobilizando os promotores.  

Única – O crescente número de infectados nas unidades prisionais também chama a atenção. Há risco de surto frente à superlotação?  

José Antônio Borges Pereira – Este é um problema delicado, por envolver, de um lado, a segurança da população e, de outro, a saúde dos reeducandos e dos servidores penitenciários. O Ministério Público tem acompanhado a situação de perto, promotores têm visitado presídios e cadeias públicas para verificar a situação in loco. Juntamente com o Poder Judiciário e o Estado, temos monitorado a situação e acompanhado as medidas que vêm sendo adotadas para manter a epidemia sob controle dentro das unidades prisionais. O Ministério Público, aliás, já destinou por meio de acordos judiciais que envolvem também o Judiciário e o Executivo, R$ 20 milhões ao Fundo Penitenciário Estadual para investimentos diversos, incluindo ações de controle da Covid-19.

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