Daniel Grandinetti - Psicólogo clínico
As pessoas que cruzam nosso caminho na vida social às vezes podem parecer bastante inconvenientes. Por vezes riem quando expressamos seriamente uma ideia. Riem igualmente ao levarmos um tombo, darmos uma topada ou gaguejarmos. Mais comum ainda é agirem contrariamente ao que nossa educação manda, expressarem opiniões que julgamos desrespeitosas, ou então discordarem de nós desrespeitosamente. Podem tomar liberdades que cremos jamais lhes ter concedido e se comportarem de modo a invadir o que consideramos ser o limite entre o nosso e o espaço delas.
Há sempre à nossa disposição duas alternativas: Não disfarçarmos nosso incômodo e nos afastarmos o mais rápido possível, contrariados; ou contornarmos a contrariedade, preservando intacta a abertura ao contato social. A primeira alternativa nos é, na maioria dos casos, a mais sedutora. Afinal de contas, a segunda nos parece despropositada. “Pois não sou obrigado a aguentar nada disso” - pensamos. “Para que suportar pessoas tão desagradáveis? Não preciso delas para nada. Tenho muitos outros amigos. Além do mais, tenho o direito de me sentir contrariado, ofendido e desrespeitado. Tenho o direito a ter minhas próprias opiniões e não sou obrigado a ficar escutando tanta coisa que me parece absurda, nem a tolerar gente folgada que não conhece o próprio lugar. Nunca lhes dei intimidade para me tratarem assim, nem para rirem de mim”.
Sim, você está com a razão. Você tem todos os direitos que mencionou, e nenhuma das obrigações que recusou pesam sobre seus ombros. Além disso, é bem provável que você realmente não precise dessas pessoas para nada. E nada te impede de se isolar delas. Assim, de fato parece não haver razão alguma para o esforço de contornar sua contrariedade e permanecer aberto à relação social com quem te parece tão insociável.
Não há nenhuma razão, exceto uma: sua própria contrariedade. Frequentemente esquecemo-nos que a decisão sobre como proceder numa situação dada não deve fundamentar-se exclusivamente na análise de direitos e obrigações válidos meramente por convenção social ou crença pessoal, mas na consideração de qual conduta acarretaria, em curto e longo prazo, a menor soma de sofrimento para nós e para terceiros. Incluindo essa variável em nossa tomada de decisão, não poderíamos deixar de considerar a soma dos pesares oriundos de nossa contrariedade, além dos possíveis aborrecimentos que uma demonstração explícita de antissociabilidade poderia causar em terceiros, com ou sem consequência sobre nosso próprio bem-estar.
Se o afastar-se de pessoas inconvenientes, motivado pela contrariedade, e o subsequente isolamento de qualquer contato com elas, fosse eficiente em cessar os aborrecimentos causados por lhes termos conhecido, estaria tudo bem. Sofreríamos o pesar do contato momentâneo, mas o isolamento acabaria com ele, de uma vez. Contudo, não é isso que acontece. Pois, para nos afastarmos e permanecermos isolados, é preciso que o pesar se preserve. Na sua ausência, restabelece-se o movimento natural de buscarmos contato sem reservas. E para que o pesar se preserve, é preciso nutri-lo com toda sorte de ruminações mentais sobre como aquelas pessoas foram inconvenientes, sobre como não somos obrigados a tolerar nada daquilo e nem desejamos passar novamente por algo do tipo. Re-produzimos e re-sentimos as mesmas situações e as mesmas conversas, renovando diariamente a ofensa que justifica nosso parecer: “Eu estou certo e aquelas pessoas estão erradas. Elas são intratáveis, não é possível conviver com elas, por isso devo permanecer isolado, mergulhado até o pescoço em minha contrariedade”.
Quem, em sã consciência, escolheria esse caminho? Muitos. A maioria, na verdade. Pois contornar a contrariedade e manter intacta a abertura ao contato social com quem nos parece inconveniente exige não dar ouvidos às inúmeras razões para nos incomodarmos. Não se trata de tolerar o incômodo, com a alma retesada, não vendo a hora de ir embora. Ao invés, trata-se de não se incomodar. E o não se incomodar exige aceitar o que instantes atrás nos era inaceitável. Desprender-se das próprias convicções a esse ponto pode parecer um esforço muito mais doído que ruminar a própria contrariedade por dias, anos... décadas. Pobres de nós, míseros ignorantes!
Daniel Grandinetti
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