Daniel Grandinetti - Psicólogo clínico
Amor é confiança. Amar é abrir os braços ao outro crendo não haver perigo em recebê-lo junto ao peito. A crença nessa ausência de perigo é a confiança. Logo, a desconfiança é incompatível com o amor. Contudo, criadores de animais silvestres amam seus bichinhos mesmo sabendo dos perigos de lidar com eles. E pais benevolentes, ao colocar no mundo filhos sem caráter, certamente os amam, mesmo cientes do mal que eles podem lhes causar. Nos dois casos, entretanto, a ameaça é conhecida e aceita. Criadores às vezes são feridos por seus animais, e pais benevolentes são prejudicados pelo mau caráter dos filhos. Mas são perigos para os quais eles estão preparados, e contra os quais não reagem com indignação. O criador não atribui maldade ao aos seus animais, e o pai benevolente de um mau caráter, mesmo ciente das intenções de seu filho, o compreende e o perdoa. Eles permanecem de peito aberto aos seus.
Porém, o amor não é incompatível com a prudência. É evidente que tanto o criador de animais quanto o pai benevolente de um mau caráter tomam as devidas precauções para não se ferirem. Mas sabem não haver medida preventiva completamente efetiva, e precisam aceitar a possibilidade de serem prejudicados para não macularem o próprio amor. Isso lhes torna prudentes, não desconfiados.
Ao contrário do prudente, o desconfiado não está disposto a aceitar os riscos do amor. Ferido por quem ama, ressente-se. Para o desconfiado, “confiança” é a certeza de que não sofrerá nenhum mal de quem ama. Para o prudente, “confiança” é a certeza de que permanecerá aberto aos seus, mesmo que lhe façam mal. O prudente toma precauções para não se ferir. Ele é atento às atitudes dos outros e cuidadoso com as suas. Mas em momento algum interpela os que ama com cobranças e exigências, pois assume o risco para si, e livra a todos da responsabilidade pelo mal que pode sofrer. O desconfiado também toma suas precauções. Além de atento às atitudes dos outros e cuidadoso com as suas, ele cobra os que ama pelos próprios riscos e lhes faz exigências para assegurar-se. Crê estar sob-risco de males cuja responsabilidade não é sua, e por isso sente-se no direito de cobrar-lhes e exigir dos supostos responsáveis que tomem as atitudes consideradas necessárias por ele à sua segurança.
O desconfiado vive um dilema: Ele teme os que ama, mas não pode afastar-se deles. Caso pudesse fechar-se e isolar-se, teria ao menos a ilusão de controlar a situação. Contudo, teme perder o amor dos seus, e precisa manter-se em relação com eles. “Relacionamento” implica “abertura”, e a abertura implica os riscos que tanto teme. Logo, a segurança do desconfiado não depende apenas dele, mas dos seus igualmente. É necessário que se mantenha minimamente aberto para relacionar-se, e para tanto precisa controlar as suas atitudes e as dos outros. Por isso o desconfiado exige satisfações, pede provas de confiabilidade, impõe restrições, cobra respeito.
O prudente não teme os que ama e não se afasta deles, mesmo que a situação exija algum distanciamento físico. Pois se mantém de peito aberto, e jamais teme perder o amor dos seus. O prudente tem o controle da situação. É cauteloso para evitar males e resignado quando deles não consegue fugir. Tudo está previsto em seus planos. Só se preocupa com suas atitudes e seus sentimentos, pelos quais assume total responsabilidade. Logo, nada exige, pede, impõe ou cobra.
A prudência é encontrada nos que amam maduramente. O amor ingênuo, que se doa sem medir consequências, pode resultar em pesarosas decepções. Caso o amadurecimento não abra as portas da prudência, a amargura abrirá as da desconfiança. No fundo, o desconfiado se sente traído por não ser possível viver o amor na ingenuidade que seus sonhos infantis construíram como ideal, e vive à procura de brechas para amar ingenuamente mais uma vez. E porquanto o amor não existe jamais sem perigos, ressente-se. A desconfiança é ressentida com os perigos do amor. A prudência lhes é respeitosa.
Daniel Grandinetti - Psicólogo clínico
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