Daniel Gradinetti - psicologo
Imagine que você esteja na beirada de uma piscina fria tomando coragem para pular. “Tomar coragem para pular” significa decidir-se a pular. Logo, se você ainda não pulou, ainda não se decidiu. Se ainda não se decidiu, está em dúvida, como se houvesse em você uma parte que desejasse pular e outra desejando permanecer na beirada, sem saber a qual delas ceder. Contudo, se ainda não pulou, você já está cedendo ao desejo de permanecer na beirada, ainda que provisoriamente. Cede ao desejo de não pular, mas força-se ao de mergulhar. Como produto do esforço, você se imagina mergulhando, nadando de braçadas, batendo as pernas, com um sorriso no rosto. “Como seria bom pular”, pensa consigo. Mas permanece plantado na beirada.
Só sonha estar dando braçadas quem cede ao desejo de não mergulhar. Sonha com o nadar na água fria porque cede ao desejo de permanecer de pé, em terra firme, seco e aquecido. Deseja nadar sem dar braçadas, mergulhar sem pular, estar na água sem se molhar e sem sentir frio. Para realizar esse desejo, a imaginação cria uma fantasia, pois não há outra maneira de realizá-lo. Então o sonhador fantasioso volta o olhar para sua real condição. Ele está de pé, fora da piscina, e pensa consigo: “Mas que droga! Como seria bom se eu estivesse nadando!”
Para nadar, é necessário enfrentar a temperatura da piscina, o ardor do cloro nos olhos, a água que entra no ouvido, aquela criança chata que não para de molhar os outros e de escorrer meleca pelo nariz, o cansaço proveniente das braçadas. Mas quem sonha estar nadando evita pensar nisso. Ao invés, parte da situação cômoda em que está - seco, aquecido, protegido de crianças inconvenientes, sem desgastar-se em esforços físicos - e a complementa imaginando a emoção de pular na piscina com a certeza de a água amortecer a queda, sua textura úmida a envolvê-lo, a liberdade de nadar livremente, o relaxamento de perder o controle e deixar o corpo boiar, sabendo-se seguro. E assim surge a fantasia de uma experiência ideal.
Evidentemente, caso se compare a situação real com a experiência ideal fantasiada, o resultado será negativo. Não haverá como fugir à sensação de estar tendo um dia monótono ao se lembrar de quão emocionante ele poderia ser caso a fantasia se realizasse. Ainda mais quando se vê tantas pessoas nadando. Pois imediatamente imagina-se estarem todas vivenciando a experiência ideal fantasiada, não a coisa real na qual se evita pensar. Mas o sonhador faz essa comparação. Contudo, talvez a possibilidade de nadar ou não nadar naquele momento não lhe pareça muito importante, e sua frustração passe-lhe despercebida.
Mas ele tem outros sonhos, maiores. Sonha viver um grande amor, casar e ter filhos; sonha com o sucesso profissional e financeiro; e também sonha com a sociedade ideal, a paz entre os povos, a igualdade entre gêneros, raças e classes. E à semelhança de sua despretensiosa fantasia de estar nadando, todos esses sonhos grandiosos também só podem ser realizados na imaginação. São todos igualmente formados da mesma matéria idealizada, que desconsidera, por ignorância ou leviandade, uma gama de dificuldades e inconvenientes que tornariam sua realização muito distante da expectativa. Talvez, enquanto gasta momentos preciosos elucubrando sobre o mergulhar ou o não mergulhar, um leve insight, quase fantasmagórico, lhe passe pela consciência: “É preciso pagar para ver!”, ele pensa; e decide-se a pular. Caso mergulhe de cabeça nas dificuldades e se esbalde nos inconvenientes, perceberá que a realidade é melhor que o sonho simplesmente por ser real. Nesse caso, sairá da piscina trêmulo de frio, arrepiado, com as mãos e os pés enrugados, os olhos ardidos e os cabelos duros de cloro, mas sem esconder o sorriso, com o coração palpitando, tamanha a sensação de estar vivo. Caso contrário, sairá taciturno e amuado, deitar-se-á na espreguiçadeira e resmungará consigo: “Eu queria mesmo era estar na praia...”
Daniel Grandinetti
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