Daniel Grandinetti
Reclamar é invocar razões para contestar, acusando os outros de improbidade, imprudência ou negligência, ao mesmo tempo eximindo-se de qualquer falta semelhante, e portanto da responsabilidade de reparação, assim delegada inteiramente a terceiros. Mesmo quando não mirada diretamente em alguém, a reclamação tem por alvo um estado de coisas qualquer cuja responsabilidade se atribui aos outros. Assim, reclamar é culpar e cobrar por reparação. E se a reparação, mesmo após a reclamação, não vem, reforça-se ainda mais a indignação inicial e a convicção na sua justeza.
Reclamar não surte efeito. A menos que o reclamado já esteja ciente de suas faltas e desejoso de reparação, ou a menos que se receba a reclamação num contexto de grande empatia e disposição para escutar as razões alheias, a ação de reclamar será improdutiva. E mesmo já desejoso de reparação, é possível que o reclamado subitamente bloqueie-se por um surto de má vontade, caso uma reclamação contundente fira os seus tímpanos. Pois a reclamação tem a forma de um imperativo. Reclamar é culpar e exigir a reparação como ato de submissão ao direito incontestável do reclamante em obtê-la. O reclamante julga-se no direito de reclamar, e julga o reclamado na obrigação de obedecê-lo. O reclamado, contudo, mesmo ciente de sua obrigação, pode se ofender com o imperativo de obedecê-la como se sob o jugo do reclamante estivesse. Nesse caso, demonstrará má vontade na reparação que, de outra forma, e reconhecida sua livre escolha no ato de concedê-la, de bom grado a concederia.
Mas a improdutividade das reclamações ainda pode ser melhor analisada. Só se reclama de algo que o reclamante ou poderia resolver por conta própria ou não poderia resolver sozinho. Nos casos que poderia resolver por conta própria, ele mesmo não age ou por achar que não deveria ou por estar paralisado pelo desafio de reparar-se. O reclamante, convicto de seu direito à reparação, está igualmente convicto de não dever ele próprio reparar seu incômodo, e de a responsabilidade por isso, portanto, não ser sua, mas de um terceiro. Nesse caso, se ele mesmo fizesse o necessário para a reparação, estaria se humilhando, como se abrisse mão de um direito seu a favor da improbidade, da imprudência ou da negligência dos outros. Porém, se o reclamado é consciente de o reclamante estar na posse dos meios de cessar seu próprio incômodo, dificilmente prontificar-se-á a obedecê-lo. Pois, se o reclamante é o interessado na reparação, e se ele mesmo pode reparar-se, não importa as razões que invoque para convencer o reclamado da obrigação de repará-lo por ele. É mais provável que o reclamado deixe o reclamante falando sozinho.
O reclamante pode também paralisar-se pelo desafio da própria reparação. Nesse caso, é possível não estar convicto de seus direitos e saber-se, no íntimo, possuidor dos meios para resolver seu problema. Mas a insegurança o motivará no engendramento de razões ficcionais para convencer-se a si e a terceiros do contrário. Para fortalecer sua argumentação, buscará fundamento na dramatização, na chantagem e até na mentira para auxiliá-lo a convencer os outros a agirem conforme deseja. Caso o reclamado não se impressione, e mantenha a lucidez, sua negativa será resoluta. E assim, mais uma vez, é provável que deixe o reclamante lamentando-se sozinho.
Entretanto, há ocasiões em que a reparação está para o reclamante fora de seu alcance. Nesses casos, ou ela depende exclusivamente de terceiros ou de fato não há reparação possível. Dependendo exclusivamente de terceiros, nem por isso a reclamação é inevitável. Abordagens mais amistosas, e portanto menos imperativas, são geralmente possíveis. Mas há um inconveniente. Para o reclamante, tratar amistosamente o reclamado, julgado por ele como quem, passando por cima de seus direitos, o humilha, é aceitar a humilhação. Somente a reclamação imperativa preserva intacto o orgulho diante de quem - assim ele crê - deseja humilhá-lo. Mas a reclamação tornada imperativa pelo orgulho ferido do reclamante também fere o orgulho do reclamado - justamente o único detentor dos meios de conceder ao reclamante sua reparação. E essa, definitivamente, não é a maneira mais inteligente de proceder.
Os casos em que não há reparação possível também representam duras provações ao reclamante. A impossibilidade da reparação o força a rever suas crenças sobre como o mundo deveria ser e qual deveria ser seu lugar nesse mundo ideal. E não é possível rever esse tipo de crença sem se dar conta do valor exagerado que sempre atribuiu a si e da natureza enganosa de muitas das expectativas nas quais até hoje encontrou o sentido da vida. Por isso tantos reclamantes buscam na indignação mais improdutiva o bálsamo mais ineficaz ao pesar inevitável que os consome. Reclamar é um vício. Reclamações são tão viciantes quanto mais ilusório é o consolo que nos trazem.
Daniel Grandinetti
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