03 de Dezembro de 2024
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ARTIGOS/UNICANEWS Sábado, 11 de Março de 2017, 10:02 - A | A

11 de Março de 2017, 10h:02 - A | A

ARTIGOS/UNICANEWS / DANIEL GRADINETTI

Não há relação casual entre 'ser depreciado' e sentir-se 'depreciado'

Daniel Grandinetti - Psicólogo clínico



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Somos os únicos responsáveis pelo que fazemos. Se compreendêssemos essa verdade até os ossos, jamais explicaríamos nossas dificuldades presentes pelos infortúnios do passado. O caso se desenrola mais ou menos assim: Quando crianças, ocorre de nos sentirmos maltratados por alguém. Mas ainda somos ingênuos, e a ocorrência nos parece fortuita. Logo a esquecemos. Então há uma recorrência. Aí nos lembramos disso já ter acontecido antes. Haverá uma terceira vez? Não temos certeza, mas acreditamos na possibilidade, que acaba acontecendo. Logo, a crença na possibilidade se transforma na certeza de que haverá uma quarta vez, e já nos sentimos mal de antemão. E após a fatídica quarta vez, esse mal-estar não nos abandona mais. Agora, estamos certos de sermos maltratados não apenas pela mesma pessoa, mas por todas. Passamos a recear qualquer relação. Os casos em que a experiência confirma a desconfiança parecem obedecer à lógica; aqueles que a desmentem julgamos obra do acaso. Por consequência, pode-se desenvolver personalidade ansiosa ou deprimida; inconformada ou conformada; a dificuldade de entrar em relações ou a de se aprofundar nelas.

 

Então, num momento ou outro, geralmente na adolescência, sobrevém o questionamento inevitável: “Por que sou assim?” E a busca pela resposta nos leva invariavelmente ao passado. De repente, tudo faz sentido: “Sou assim porque fui maltratado repetidamente quando criança. Não sou nada mais que uma vítima de minha história de vida”. Onde há vítimas, há culpados, que são, evidentemente, os responsáveis pelos maus-tratos. Logo, a imaginação pinta os culpados com cores monstruosas, explicando o mal-estar acumulado desde a infância, e todas as falhas de personalidade provocadas por ele, como nada mais que o produto da perfídia alheia.

 

Mas nem sempre a gênese do mal-estar ocorre na infância. Muitos adentram a puberdade na inocência infantil, até sofrerem os primeiros desgostos amorosos e sociais. Às vezes, basta apenas um para que o mal-estar se instaure de vez. A partir de então, narra-se a história das traições e abandonos sofridos no papel da vítima de uma tragédia grega, a fim de justificar por que hoje se é tão amargo e desconfiado com todo o gênero humano. 

 

Mas por que os maus-tratos alheios nos fazem sentir maltratados? Parece óbvio que seja assim, mas não é. O maltrato é uma hostilidade. Logo, sentindo-nos maltratados, sentimo-nos hostilizados. A hostilidade é uma forma de depreciação. Logo, sentindo-nos hostilizados, sentimo-nos depreciados. Por que nos sentimos depreciados? Por julgarmos a atitude alheia como expressão de uma depreciação dirigida a nós. Mas espere um pouco. Por que a depreciação alheia nos faz sentir depreciados? O expressar desapreço por alguém é uma ação, e seu único responsável é quem o expressa. Por sua vez, o sentir-se depreciado também é uma ação, e seu único responsável é quem assim se sente.

 

Sentimo-nos depreciados quando alguém nos deprecia por não confiarmos em nosso valor próprio. A depreciação alheia nos parece assertiva. Quem nos deprecia parece ter certeza do desapreço que merecemos. Sua certeza fala mais alto que nossa dúvida. Logo, também nos julgamos merecedores de desapreço, e depreciamo-nos. Mas também nos sentimos apreciados quando alguém nos aprecia. Pois o apreço alheio nos parece igualmente assertivo. A dúvida quanto ao nosso valor próprio nos torna sugestionáveis tanto ao apreço quanto ao desapreço alheio.

 

Isso ocorre por não nos conhecermos suficientemente. E como conhecer a si mesmo? Nenhum oráculo jamais forneceu essa resposta, pois há perguntas cujas respostas parecem tolas a menos que as encontremos por nós mesmos. Mas é possível apontar um caminho. Ao invés de tratarmos do conhecimento de si, suponha que não conheçamos Fulano muito bem, e que Beltrano nos fale eloquentemente dele. Quer nos fale bem ou mal de Fulano, sua eloquência nos parecerá assertiva, e nos fará dispostos a aceitar o apreço ou o desapreço que expressar por ele. Mas como conhecer Fulano verdadeiramente? Para conhecer Fulano, é preciso suspender as opiniões de Beltrano sobre ele. Mesmo eloquentes e assertivas, elas são o produto de um julgamento humano, que pode ser falho. Suspendendo o julgamento de Beltrano, naturalmente conheceremos Fulano se convivermos com ele, sem precisar que ninguém nos diga como.

 

Semelhantemente, para conhecer a si mesmo é preciso suspender todo julgamento alheio de apreço ou desapreço por nós. Agindo assim, atingiremos naturalmente o autoconhecimento - pois sempre estamos em convivência conosco - sem precisar de instruções. E como saber se nosso autoconhecimento é verídico?

 

É muito fácil. Lembremo-nos do seguinte: Depreciamo-nos porque o desapreço alheio nos parece mais assertivo que nossa autoestima duvidosa. Contudo, é com indignação que nos apropriamos dele, pois nossa autoestima, mesmo insegura, reage. Resiste em nós a esperança de ainda nos certificarmos de merecer o apreço sempre tão desejado. O mal-estar resultante da depreciação não é nada mais que o conflito entre a apropriação do desapreço alheio e a resistência de nossa titubeante autoestima. Logo, se em nossa busca pelo autoconhecimento certificamo-nos de nosso valor próprio, o conflito desaparece, com ele desaparecendo todo o mal-estar e os sintomas de que padecíamos.

 

E se nossa empreitada nos confirmar merecedores do desapreço alheio? O resultado será o mesmo. Confirmada a justeza do desapreço, a dúvida de nossa autoestima desaparecerá, cessando o mal-estar. Plenos de autoconhecimento, assumiremos a responsabilidade pelas falhas em nossa personalidade e, em paz com nosso eu, mudaremos imediatamente em nós o que assim desejarmos. Enquanto houver mal-estar, o autoconhecimento não foi atingido com êxito.

 

Não há nenhuma relação causal entre “ser depreciado” e “sentir-se depreciado”. Tente encontrar apenas uma causa que relacione essas duas premissas. Apenas o hábito e a falta de reflexão nos fazem crer na relação causal entre elas. E hábitos podem ser mudados com um pouco de atenção e disciplina. Essa pode ser a diferença entre os que rastejam por toda a vida como vítimas do passado e os que assumem as rédeas do presente na direção do futuro.

 

Daniel Grandinetti

Para conhecer melhor minha terapia online e o acompanhamento por WhatsApp, visite o site: www.danielgrandinetti.com.br

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