Daniel Grandinetti - Psicólogo Clínico
Ninguém gosta de ser objetado. Ninguém gosta de ter um pedido negado. Ninguém gosta de ser criticado ou de ouvir críticas relativas a algo que gosta. Mas, há formas de responder a negações, críticas e objeções que, apesar de eficazes, erram o ponto em discussão. São respostas que já se transformaram em vícios nas nossas conversas cotidianas. Farei breve análise de algumas delas.
Quando criticados, é comum respondermos: “Mas eu não posso ‘nem’ pensar ou agir assim?” Essa resposta distorce a crítica transformando-a numa restrição. Críticas não impõem restrições. Discordar da maneira de alguém pensar ou agir não é coibir seu pensamento ou seu comportamento. Além do mais, a ênfase no ‘nem’ confere à opinião ou atitude criticada o sentido de uma insignificância. E implicitamente atribui ao crítico o papel de um repressor autoritário a coibir, sem nenhuma razão, o comportamento inofensivo do criticado.
Recebendo a negação de um pedido, é comum respondermos: “Mas eu ‘só’ estou te pedindo isso ou aquilo!” Essa resposta transmite a ideia de estarmos requerendo algo insignificante. Por isso, ela utiliza palavras bem escolhidas para que o pedido soe simples e inofensivo. Outra versão é: “Custa alguma coisa fazer o que te pedi?” A simplicidade, a insignificância ou inofensividade de um pedido não são razões suficientes para sua aceitação. Semelhantemente, o não custar dinheiro também não é. Pode não custar nada aceitar um pedido e mesmo assim haver outras razões para rejeitá-lo. Entretanto, o objetivo é fazer com que o requerido se sinta um egoísta imprestável e sem consideração pelos outros, um energúmeno que vira a cara a quem lhe faz pedidos que não lhe trariam transtorno algum e que nada lhe “custariam”. “Se não lhe causa problema algum, se não lhe traz dificuldade alguma e se não lhe custa nenhum centavo, que razão pode haver para você me recusar esse pedido senão o fato de você ser uma pessoa desprezivelmente insensível?”
Quando a crítica se dirige a algo que gostamos, a resposta comum é: “Se não gosta, não use! Se não gosta, não assista! Se não gosta, não escute! Se não gosta, não freqüente! Se não gosta, não participe!” Em outras palavras, trata-se do célebre “os incomodados que se retirem”. Essa premissa se destaca pelo autoritarismo e a falta de espírito democrático. Tanto que ela é a essência de um dos jargões mais famosos da ditadura militar em nosso país: “Brasil: Ame-o ou deixe-o.” O sentido dessa premissa é: Se você não gosta de um utensílio, de um aparelho, de um programa de TV, peça teatral ou filme, de um lugar público, cidade, país ou ideologia política, nada disso te dá o direito de criticar. Simplesmente ausente-se, exclua-se, isole-se! Suas opiniões não são bem-vindas. Caso deseje estar no meio dos que pensam diferente de você, mantenha-se calado! Do contrário, é melhor se retirar. Quem usa respostas do tipo não compreende a diferença entre o público e o privado. Um produto cultural (música, TV, cinema, teatro, vestuário, comportamento, bares, boates, etc.) ou situação política afetam a vida de todos que compartilham a mesma cultura e vivem na mesma sociedade. Deixar de usar, de assistir, de escutar, de frequentar, etc., não é suficiente para evitar as consequências do que é e se faz público. Por sua vez, exigir dos insatisfeitos que abandonem a sociedade é antidemocrático. O que os outros fazem na vida privada, desde que consensual e legal, é problema deles. Tudo que fizerem em público é problema de todos, e está sujeito às críticas de quem quiser criticar. Quem não concorda com as críticas sempre poderá, evidentemente, respondê-las com outras críticas.
Um capítulo à parte deve ser reservado ao uso da expressão ‘direito’. Todos, ao sermos criticados, contrariados e termos um pedido negado já respondemos, pelo menos uma vez: “Mas eu tenho o direito de ser assim, fazer isso e pedir assado!” Essa resposta erra o ponto porque, numa discussão cotidiana, em geral não está em questão a existência ou não do direito bradado. Em qualquer situação que envolva duas ou mais pessoas existem muitos direitos em jogo. A questão não é se o direito bradado pelo requerente é válido ou não, mas se ele deve prevalecer sobre todos os demais. A simples existência de um direito não é suficiente para justificar sua prevalência. Nem o direito à vida prevalece sempre. Em casos de legítima defesa, por exemplo, prevalece o direito à legítima defesa. Quem, nas discussões cotidianas, insiste em chamar a atenção para os seus direitos, em brados indignados, sofre de um egocentrismo que o incapacita a pesar todos os direitos - e, principalmente, todas as responsabilidades - que devem ser considerados em cada caso. Não compreende que a não prevalência de um direito não significa necessariamente um abuso. Mais uma vez, o objetivo é fazer a contraparte se sentir desrespeitosa com o requerente. Afinal de contas, que razão pode ter quem desrespeita o direito alheio?
São apenas alguns exemplos desses vícios de argumentação. Sua eficácia é tão grande porque, no fundo, à exceção dos psicopatas, todos nutrimos algum sentimento de culpa; todos nutrimos o medo de estarmos sendo ou de termos sido injustos com os outros. Conhecemos o lado negro que esforçamo-nos por esconder; sabemos sermos mais egoístas, mesquinhos e covardes do que deixamos transparecer. Somos inseguros quanto às nossas intenções e juízos. Por isso, quando essa insegurança é usada contra nós, a tendência é baixarmos a guarda. Para obter êxito com tal arte, é preciso saber o momento certo de replicar, usar a entonação de voz correta, escolher adequadamente as palavras a enfatizar. Mas muitos dominam a técnica. E os que dela não sabem se defender tornam-se vítimas dos que são mestres em se fazer de vítimas.
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